março 23, 2006

Ongs alertam sobre contaminação transgênica

Por Julio Godoy*

A Comissão Européia decidiu não separar os cultivos geneticamente modificados dos tradicionais. Ecologistas classificaram a medida como um golpe contra a agricultura do continente.

PARIS.- As mais recentes decisões da Comissão Européia (CE) sobre os cultivos geneticamente modificados condenam a agricultura do continente à contaminação transgênica, disseram ao Terramérica grupos ambientalistas. Em um relatório divulgado no dia 10 de março, em Bruxelas, a CE considerou desnecessária a separação dos cultivos tradicionais e orgânicos dos que usam organismos geneticamente modificados (OGM). A Comissão também considerou ilegais as medidas de proteção de ecossistemas sensíveis contra os OGM, conhecidos como transgênicos, e ameaçou com sanções os governos nacionais ou regionais que tentarem proibir esse cultivo.

“Devido ao caráter totalitário e irreversível da contaminação transgênica, a decisão da CE dita o fim da agricultura tradicional e orgânica na Europa”, disse ao Terramérica Arnaud Apoteker, encarregado de Biogenética na organização Greenpeace em Paris. “A CE ou é muito inocente ou completamente desonesta”. A Comissão estabelece, somente como opcional, que os agricultores que usarem sementes transgênicas contratem seguros para responder financeiramente por possíveis punições caso seus produtos contaminem plantações vizinhas”.

A Comissão também permite aos governos europeus aumentar o limite máximo de contaminação de 0,9% de conteúdo transgênico na agricultura orgânica e convencional, sem arriscar sanções e sem exigir rotulagem dos produtos indicando conter OGM, se a contaminação for “fortuita”. “São necessárias leis rígidas contra a contaminação genética da agricultura convencional e orgânica, bem como suspender a produção e comercialização de OGM”, enfatizou Apoteker.

Em janeiro, a CE também havia autorizado três novos tipos de milho geneticamente modificados, incluindo o MON863, cujos efeitos nocivos em cobaias foram demonstrados em testes de laboratório. Gilles-Eric Séralini, professor de Biologia Molecular na Universidade de Caen e autor de um estudo sobre os efeitos do MON863 nos roedores, disse ao Terramérica que “os testes revelaram um aumento do açúcar no sangue, bem como anomalias na quantidade de glóbulos brancos e vermelhos, além de lesões renais” nesses animais. Para Helen Holder, da organização Amigos da Terra, “a CE continua autorizando a importação de transgênicos, sem leis que protejam a agricultura orgânica e tradicional contra a contaminação genética”.

O governo francês prepara uma lei sobre OGM que, segundo o Greenpeace, ignora toda evidência sobre seus perigos ambientais e sanitários. Apesar dos esforços da CE e das grandes multinacionais da bioquímica, a produção e o comércio de transgênicos na Europa é marginal. Entre os dez maiores produtores mundiais de OGM não aparece nenhum país europeu, mas sul-americanos, com Argentina, Paraguai e Uruguai. Axel Kruschat, diretor da organização ambientalista alemã Bund, disse ao Terramérica que as plantações de milho transgênico na Alemanha representam menos de um por mil do total da superfície do país dedicada à produção de milho tradicional.

Na França, os produtores de milho transgênico ocupam menos de mil hectares, em um total de três milhões. A variedade de milho transgênico cultivada nesse país e na Alemanha é conhecida como Bt-milho, já que foi tratado com um gene do Bacillus thuringiensis (Bt), para torná-lo resistente à Ostrinia nubilalis, uma larva comumente chamada de broca européia do colmo de milho. Esta é considerada a pior praga contra o milho: começa se alimentando das folhas e acaba entrando no interior do talo, desenvolvendo de duas a três gerações de larvas.

Apesar disso, o Bt-milho é evitado pela maioria dos agricultores alemães, disse Kruschat. “Os consumidores não compram milho modificado geneticamente”, explicou. Segundo o especialista, a “Märka, a distribuidora da semente do Bt-milho na Alemanha, propõe aos agricultores tradicionais ou orgânicos, com campos vizinhos às plantações transgênicas, a compra de toda a colheita pelo preço de mercado, independente da porcentagem de sua contaminação com milho geneticamente modificado. Para os agricultores, isto é interessante, pois têm um cliente certo”, afirmou.

Segundo Kruschat, a Märka evita, assim, que os agricultores que não utilizam o Bt-milho, mas cujas colheitas ultrapassam os limites legais de contaminação por sua proximidade com plantações transgênicas, processem aqueles que são seus clientes por contaminação de seu grão. Andréas Thierfelder, porta-voz na Alemanha da multinacional Monsanto, criadora do Bt-milho, confirmou esse procedimento ao jornal alemão Süddeutsche Zeitung.

Os produtores franceses de milho transgênico tampouco vendem sua colheita na França, que é exportada para a Espanha. Segundo uma pesquisa divulgada no final de fevereiro pela associação ambientalista Agir pour l’Environnement (Agir pelo Meio Ambiente), 75% dos consumidores franceses rejeitam os OGM. As precauções da Monsanto e da Märka são justificadas. Apesar da nova diretriz da CE, o limite de contaminação com OGM em produtos agrícolas tradicionais é de 0,9%. Além disso, o produto deve ter rótulo visível onde conste que é manipulado geneticamente.

Katja Moch, bióloga do alemão Instituto Ecológico de Friburgo, disse ao Terramérica que o “limite máximo de contaminação genética em cultivos tradicionais e orgânicos é respeitado somente se toda a colheita originalmente não-transgênica for considerada no momento de medir a porcentagem de seu conteúdo de OGM”. Assim, aquelas partes da colheita mais afastadas das plantações com OGM reduzem a contaminação. “E, na realidade, os agricultores não colhem toda a superfície de uma vez, mas sucessivamente. Nessas colheitas parciais, o conteúdo de OGM freqüentemente é superior a 0,9%”, disse Moch.

Esta contaminação também é motivada pelo uso de máquinas e instalações comuns entre agricultores tradicionais e orgânicos e aqueles que utilizam sementes transgênicas. “Muitas máquinas pesadas utilizadas na agricultura, e que são compartilhadas entre vários agricultores, são muito difíceis de limpar e permitem a disseminação de OGM”, acrescentou a bióloga. Por essa razão, ambientalistas e ativistas defensores da agricultura orgânica insistem em reduzir o limite máximo da contaminação com OGM para 0,1%. A CE continua ignorando a demanda.


* O autor é correspondente da IPS.

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