março 13, 2006

Falta água potável para 1,1 bilhão no mundo

O mundo possui muitas fontes de água potável, apesar de estar má distribuída. Entretanto, segundo o Relatório das Nações Unidas Sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos no Mundo, gestões equivocadas, recursos limitados e mudanças climáticas têm trazido sérios problemas: um quinto da população do planeta não possui acesso à água potável e 40% não dispõe de condições sanitárias básicas.

O estudo trienal é a mais abrangente e completa avaliação sobre as fontes de água para consumo humano no mundo. Ele foi apresentado à imprensa nesta quinta-feira(09), na Cidade do México, véspera do 4ª Fórum Mundial da Água (a ser realizado também na Cidade do México, nos dias 16 a 22 de março). Intitulada “Água: uma Responsabilidade Compartilhada”, esse recente edição concentra-se na importância da governança na gestão dos recursos hídricos e no combate à pobreza.

Segundo o relatório, um sistema de governança “determina qual, quando e como é distribuída a água e decide quem tem direito ao recurso e outros serviços adjacentes”. Tais sistemas não estão limitados ao “governo”, incluem também autoridades locais, setor privado e sociedade civil. Da mesma forma, eles tratam de uma série de questões intimamente ligadas à água, de saúde e segurança alimentar ao desenvolvimento econômico, uso da terra e preservação dos ecossistemas naturais, dos quais nossas fontes de água dependem.

O Relatório destaca que:

— Apesar de haver progressos significantes e estáveis, e que “em escala global há abundância de água potável”, as estimativas do Programa de Monitoramento Conjunto da OMS/UNICEF indicam que 1,1 bilhão de pessoas ainda não têm acesso a fornecimentos adequados de água potável. O Objetivo de Desenvolvimento do Milênio, para 2015, de diminuir pela metade a proporção de pessoas sem saneamento básico, não será alcançando globalmente se as atuais tendências persistirem. De acordo com o estudo, “a má gestão, a corrupção, a falta de instituições apropriadas, a inércia burocrática e a carência de novos investimentos na construção de capacidades humanas assim como em infra-estruturas físicas” são amplamente responsáveis por esta situação.

— A má condição da água é fator chave para problemas de subsistência e saúde globais. Doenças relacionadas à diarréia e a malária mataram cerca de 3,1 milhões de pessoas em 2002. Noventa por cento dessas mortes foram de crianças com menos de cinco anos de idade. Aproximadamente 1,6 milhão de vidas poderiam ser salvas anualmente com o fornecimento de água potável, saneamento básico e higiene.

— A qualidade dos recursos hídricos está piorando em muitas regiões. Evidências indicam que a diversidade de espécies e de ecossistemas ligados à água potável está se deteriorando mais rapidamente que os ecossistemas terrestres e marítimos. O relatório aponta que o ciclo hidrológico, do qual a vida depende, necessita de um ambiente saudável para funcionar apropriadamente.

— Noventa por cento dos desastres naturais são relacionados à água e eles estão aumentando. Muitos são resultados do uso inapropriado da terra. A trágica e crescente seca do Leste Africano, onde houve um grande desmatamento das florestas para a produção de carvão e madeira para combustível, é um triste exemplo. O relatório também cita o caso do Lago de Chad na África, que já diminuiu 90% desde a década de 1960 principalmente devido à exploração excessiva do solo, ao desmatamento e a grandes projetos insustentáveis de irrigação. Duas em cada cinco pessoas vivem em áreas suscetíveis às enchentes e ao aumento dos níveis do mar. As nações em maior perigo são Bangladesh, China, Estados Unidos, Filipinas, Holanda, Índia, Paquistão e as pequenas nações insulares. O estudo ressalta que as mudança climáticas irão ampliar esta situação.

— O mundo necessitará de 55% mais comida em 2030. Isso deve ser traduzido em uma demanda crescente de irrigação, que já utiliza cerca de 70% de toda a água para consumo humano. A produção de alimento teve um grande crescimento nos últimos 50 anos, entretanto 13% da população mundial (850 milhões de pessoas, a maioria da área rural) ainda não dispõem de alimentos suficientes.

— Metade da humanidade se concentrará em cidades e municípios em 2007. Em 2030, esse número crescerá para perto de dois terços, produzindo um drástico aumento da demanda por água nas áreas urbanas. Cerca de 2 bilhões dessas pessoas viverão em assentamentos irregulares e em favelas, configurando-se, assim, na parte da população urbana que, geralmente, sofre com a falta de água potável e saneamento.

— Mais de 2 bilhões de pessoas dos países em desenvolvimento não têm acesso a formas de energia confiável. A água é a principal fonte de geração de energia que, em contrapartida, é vital para o desenvolvimento econômico. A Europa utiliza cerca de 75% de seu potencial hidro-energético. A África, onde 60% da população não possui acesso à eletricidade, desenvolveu apenas 7% deste potencial.

— Em muitos lugares do mundo, um enorme percentual de 30% a 40% dos recursos hídricos são desviados por escapes de água por canos ou via canais e por conexões ilegais.

— Apesar de não haver informações precisas, estima-se que a corrupção política custa ao setor hídrico milhões de dólares a cada ano e enfraquece os serviços relativos à água, sobretudo aqueles oferecidos às camadas pobres. O relatório cita uma pesquisa realizada na Índia, na qual 41% dos consumidores que responderam disseram ter realizado pequenas irregularidades, nos últimos seis meses, para falsificar a leitura de consumo de água; 30% pagaram irregularmente para acelerar trabalhos de reparação e outros 12% pagaram irregularmente para acelerar novas conexões de água e saneamento.

Reconhecendo o papel vital da água potável no desenvolvimento e na segurança humana, o Plano de Implementação de Johannesburg, adotado pelos Estados Membros da UNESCO, e a Cúpula Mundial Sobre Desenvolvimento Sustentável (Johannesburg, 2002), convidou os países a desenvolverem gestões integradas dos recursos hídricos e planos eficientes para 2005. O relatório indicou que apenas 12% dos países os fizeram, apesar de muitos terem iniciado o processo.

As fontes de financiamentos para água também não mostram avanços. De acordo com o estudo, o total da Assistência de Desenvolvimento Oficial para o setor da água nos últimos anos foi, em média, US$ 3 bilhões por ano, com um adicional de US$ 1,5 bilhão em empréstimos não-concessionais efetuados, principalmente, pelo Banco Mundial. Entretanto, apenas uma pequena proporção (12%) desses fundos chega aos mais necessitados. E apenas 10% é direcionado para o desenvolvimento de políticas de água, planejamento e programas.

Somado a isso, os investimentos do setor privado em serviços de água estão diminuindo. Durante a década de 1990, este setor investiu cerca de US$ 25 bilhões em suprimento de água e saneamento nos países em desenvolvimento, principalmente na América Latina e Ásia. Contudo, muitas companhias multinacionais de água começaram a recuar ou diminuir seus investimentos no mundo em desenvolvimento devido aos altos riscos políticos e financeiros.

Apesar das constantes falhas de performances no sentido de unir as expectativas dos governos de países em desenvolvimento e a de países doadores, o relatório ressalta que “seria um erro” cancelar os investimentos do setor privado. Governos financeiramente sensíveis e com regulamentações fracas, ressalta o relatório, “são alternativas precárias para responder às questões da má gestão dos recursos hídricos e suprimentos inadequados de água”.

Durante o século XX, a utilização da água cresceu seis vezes, duas vezes mais do que a taxa de crescimento populacional. Nossa habilidade para lidar com o contínuo crescimento da demanda global, ressalta o relatório, dependerá da boa governança e gestão dos recursos disponíveis.

“Uma boa governança é essencial para a gestão dos suprimentos de água potável e indispensável no combate à pobreza”, disse o Diretor-Geral da UNESCO, Koichiro Matsuura. “Não há um modelo de boa governança, que é complexa e dinâmica. Mas nós sabemos que isso deve incluir instituições adequadas – nacional, regional e localmente fortes, com uma estrutura legal efetiva e recursos humanos e financeiros suficientes”, disse.

Isso também requer “liberdades essenciais, como liberdade de expressão e o direito de organização”, diz o relatório. Segundo o estudo, “se os cidadãos não podem ter acesso às informações básicas sobre a qualidade e a quantidade da água, limita-se seriamente a chance deles intervirem em projetos de água ambientalmente prejudiciais ou chamar à responsabilidade as agências governamentais relevantes”.

O Relatório das Nações Unidas Sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos no Mundo é um esforço conjunto de 24 agências do sistema ONU e entidades envolvidas na gestão da água*. Ele foi produzido sob os cuidados do Programa Mundial de Avaliação dos Recursos Hídricos das Nações Unidas (WWAP), o qual a secretaria é sediada na UNESCO, e que considera a água prioridade. Seus 15 capítulos, preparados por várias agências participantes, apresentam uma análise detalhada da situação em todas as regiões do mundo baseadas no mais recentes dados, mapas e gráficos disponíveis. São 17 estudos de caso e numerosos exemplos de boas e más práticas de governança dos recursos hídricos.

O “Água, uma Responsabilidade Compartilhada” será formalmente apresentado pelo Diretor-Geral da UNESCO, em nome das Nações Unidas, durante o 4ª Fórum Mundial da Água, em 22 de março, na Cidade do México.
(Envolverde/ONU- Brasil)

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