março 20, 2006

A commodity água, por Gilberto Alves da Silva

Pode parecer absurdo falar em falta de água quando a terra tem 70% de sua superfície coberta por este líquido. Entretanto, é bom lembrar que a maior parte dele, 97,5%, é água salgada dos mares e oceanos, imprópria para o consumo humano e produção de alimentos. Os 2,5% restantes, água doce, também não estão, totalmente, disponíveis para uso. A sua maior parte, 68,9%, está nas calotas polares e nas geleiras. 29,9% são águas subterrâneas e 0,9% são relativas a umidades dos solos e dos pântanos. Só 23 países detêm dois terços das reservas de água potável e 47% dos recursos hídricos estão na América do Sul, sendo que deste total, mais da metade, cerca de 53%, estão no Brasil.

De acordo a ONU, mais de um bilhão de pessoas não têm acesso à água potável e perto de 2,5 bilhões não dispõem de qualquer tipo de saneamento. Como resultado, 8 milhões de pessoas morrem por ano por causa de doenças relacionadas com a água, das quais 50% são crianças. Ainda, segundo este mesmo órgão, dentro de 25 anos existirão 4 bilhões de pessoas sem água para satisfazerem as suas necessidades básicas. Continuando esta tendência, acredita-se que este líquido deva tornar-se uma mercadoria de elevado valor no Mercado Internacional nos próximos 40 anos. Lembremo-nos que o preço, hoje, de uma garrafa de 500 ml de água está em torno de R$ 1,00, quanto custará daqui a algumas décadas?

Esta escassez está ligada a dois fatores importantíssimos para o futuro: o crescimento populacional que, segundo a ONU, hoje somos seis bilhões e a previsão é que cheguemos aos nove bilhões nos próximos 50 anos. Afirma esta entidade que são os países em desenvolvimento, aí englobados os detentores deste recurso, que mais sofrerão, uma vez que quase a totalidade deste crescimento se dará neles. O outro fator está ligado à degradação do meio ambiente motivada pela intensa urbanização, pelo desmatamento e pela contaminação por atividades industriais.

A ONU estima que dentro de 20 anos a guerras serão por causa da água. É bom lembrar que desde 3.100 a.C. já existia guerras por causa deste precioso líquido.Nessa época, surgiu na Mesopotâmia a civilização Sumeriana que fazia a administração geral das águas dos Rios Tigre e Eufrates com o Poder Público. Era uma questão militar em todas as principais cidades sumérias e nunca teve solução. Em 1997, houve a crise entre a Malásia e Singapura. A Malásia controla metade da oferta de água de Singapura e ameaçou cortar o suprimento, após críticas formuladas ao seu governo. Na África, as relações entre Botsuana e Namíbia ficaram estremecidas por causa dos planos da Namíbia de construir um aqueduto para desviar águas do Rio Okavango, comum aos dois Países.

Além da água ser vida, o seu uso é muito diversificado. Cabe aqui, introduzir um novo conceito para este líquido que é o de ''Água Virtual''. Esta é a água gasta para produzir um bem, um produto ou serviço. Ela está embutida no produto, não apenas no sentido visível, físico, mas também no sentido ''virtual'' considerando a água necessária aos processos produtivos. Atualmente, em discussões técnicas, esta água está sendo avaliada como um instrumento estratégico na política de água.

O comércio agrícola promove uma enorme transferência de água de região onde ela se encontra de forma abundante e de baixo custo para outras regiões onde é escassa, cara e seu uso compete com outras prioridades. É visível que este comércio crescerá futuramente, junto com o esgotamento e contaminação deste recurso. Para se ter idéia do que afirmamos, a China importa em torno de 18 milhões de toneladas de soja por ano, a um custo de 3,5 milhões de dólares que carregam 45 milhões de m3 de água. Em 2003, o Brasil exportou 1,3 milhões de toneladas de carne bovina, com uma receita de 1,5 milhões de dólares e exportou, também, 19,5 km3 de água virtual.

A conclusão que chegamos é que a escassez transformará a água, atualmente um direito, em uma Commodity valiosa. Neste caso, os Governos dos Países detentores devem adotar políticas e procedimentos que garantam a manutenção das suas reservas e que, também, viabilizem o fornecimento deste líquido de uma forma subsidiada, de maneira que os pobres possam ter acesso a ele, cobrando daqueles que podem pagar. Não deixar de lado a educação que é fundamental para a sua conservação e para evitar o desperdício.

O Brasil detém mais da metade da água doce do planeta e não será por isto que continuaremos a desperdiçá-la, polui-la como viemos fazendo até agora.

Gilberto Alves da Silva, Professor

(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado no Jornal do Brasil de 18/03/2006

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