abril 30, 2008

A era dos biocombustíveis

30/04/2008

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – Com a era dos combustíveis fósseis chegando ao fim, o nível atual de conhecimentos biológicos pode levar à construção de uma “biocivilização moderna de alta produtividade”, na qual o Brasil pode se tornar um ator da primeira importância, de acordo com o economista Ignacy Sachs, professor emérito da École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris).

Mas, segundo ele, nada disso acontecerá sem determinadas políticas públicas que sejam capazes de construir sistemas integrados de produção de alimentos e energia com base na agricultura familiar.

Sachs apresentou uma palestra, na última segunda-feira (28/4), na segunda sessão do ciclo Impactos socioambientais dos biocombustíveis, realizado na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP).

O professor, naturalizado francês, nasceu na Polônia e se formou em economia no Rio de Janeiro, onde sua família se refugiou durante a Segunda Guerra Mundial. O evento foi promovido pelo Núcleo de Economia Socioambiental (Nesa) e pelo Núcleo de Estudos Regionais e Urbanos (Nereus), ambos da USP.

De acordo com Sachs, o debate sobre os biocombustíveis se insere numa discussão mais ampla a respeito daquilo que ele define como “a biocivilização moderna”.

“A biomassa pode ser alimento, ração animal, adubo verde e material de construção, além de ser matéria-prima para fármacos, cosméticos e para a química verde, que produzirá um leque cada vez maior de produtos. O conceito de biorrefinaria irá se firmar à imagem do que representou a refinaria de petróleo”, disse Sachs.

Sachs defende a produção de biocombustíveis privilegiando o uso de áreas desmatadas e, no caso brasileiro, principalmente das pastagens degradadas. “Temos que parar de raciocinar por justaposição de cadeias de produção, imaginando separação total de áreas para etanol, biodesel, grãos e gado. Temos que pensar mais seriamente em sistemas integrados de produção de alimentos e energia”, afirmou.

De acordo com Sachs, no entanto, para que essa biocivilização seja construída, as políticas públicas precisarão ser reorientadas de uma forma que permita solucionar, ao mesmo tempo, os problemas sociais e ambientais.

“O desafio que se coloca é atacar simultaneamente o problema ambiental e o problema do déficit crônico de oportunidades de trabalho decente e as desigualdades sociais. Se não partirmos para um ciclo de desenvolvimento com base na agricultura familiar, o que teremos não será essa biocivilização, mas uma produção de agroenergia amplamente mecanizada e favelas apinhadas de ex-agricultores”, declarou.


Políticas públicas necessárias

As políticas públicas necessárias, segundo Sachs, incluem cinco instrumentos principais: a implantação de um zoneamento ecológico-econômico, as certificações sociais e ambientais, a intensa pesquisa científica, a discriminação positiva do agricultor familiar e, por último, a reorganização dos mercados internacionais.

“A questão do zoneamento ecológico-econômico, necessário nas diferentes áreas de produção do país, liga-se ao reordenamento da estrutura fundiária e ao combate à informalidade e à ilegalidade que predominam”, afirmou.

Sachs observa que a certificação socioambiental, que, segundo ele deve, ser exigida também para o mercado interno, tem um obstáculo nos custos, já que os pequenos produtores não podem arcar com esses mecanismos. “Teremos que discutir até que ponto o Estado poderá co-financiar esse produtor”, disse.

A pesquisa científica, segundo o economista, deve se concentrar numa questão crucial: até onde se pode avançar no aproveitamento da energia solar pela fotossíntese. “É fundamental que o Brasil tenha uma posição bem documentada sobre seu potencial fotossintético. É preciso também investigar de forma mais sistemática os potenciais da biodiversidade e estudar sistemas integrados de produção alimentar e energética adaptados aos diferentes biomas”, disse.

A política de discriminação positiva do agricultor familiar, segundo Sachs, consiste num feixe de políticas públicas que abrangem desde educação e assistência técnica permanente, até linhas de crédito específicas e acesso aos mercados. “Seria preciso também desenvolver de uma vez por todas a idéia de reorganizar os mercados internacionais conectando as produções dos países em desenvolvimento”, afirmou.

Para o economista, a produção de biocombustíveis não terá impacto no acesso aos alimentos. “Não discuto o fato de que, com o encarecimento dos alimentos, a situação dos mais pobres vai ficar mais difícil. Mas é risível atribuir o problema da fome à insuficiência de oferta. Sabemos que o problema não é esse e sim a falta de poder aquisitivo. Os biocombustíveis não são o vilão. Ao contrário, poderiam ser um instrumento essencial para tirar os países da insegurança alimentar e energética”, disse.

Não se pode, no entanto, pensar que o problema da energia enfrentado pelo planeta possa ser resolvido com a simples substituição de combustíveis, segundo Sachs. “Temos que colocar em primeiro plano o tema da mudança de paradigma energético: outro perfil de demanda energética, que nos remeterá a um debate complexo e decisivo sobre estilos de vida e de desenvolvimento”, afirmou.

abril 29, 2008

A estória das coisas

abril 12, 2008

A crise financeira é pouco diante da crise alimentar mundial

Os altos preços dos alimentos, a escassez e a especulação estão provocando duros conflitos políticos. E tudo indica que estamos na presença de um fenômeno global, grave e sem precedentes, escreve Moisés Naím em artigo publicado no El País, 06-04-2008. A tradução é do Cepat.

O preço internacional do arroz disparou. Num único dia subiu 10%; nas últimas duas semanas, 50%. Nem sequer em épocas de guerra foi tão caro. Basta recordar que o arroz é parte fundamental da dieta diária de três milhões de pessoas para que os problemas do setor financeiro ou do imobiliário pareçam uma distração menor.

Os preços do arroz subiram porque tanto os países produtores como os consumidores entraram em pânico. Diante de um possível desabastecimento, os países importadores de arroz aumentaram drasticamente suas compras. E os países produtores, preocupados com a possibilidade de deixar sua população sem arroz, limitaram suas exportações. A combinação de compras nervosas e a monopolização preventiva levou os preços à estratosfera.

E não é só o arroz; é o preço dos alimentos em geral. O problema afeta a todos, mas infelizmente, e como sempre, mais os pobres. No Egito, há desabastecimento de pão. Os preços internacionais do trigo duplicaram no último ano e os controles de preços e subsídios governamentais fazem com que o pão subsidiado, em vez de chegar aos pobres, seja vendido mais caro no mercado negro. Ao menos seis pessoas foram mortas asfixiadas pela multidão ou apunhaladas ao tentarem furar as filas para o pão.

A fome generalizada está voltando a fazer parte da vida de milhões de africanos. Mas agora, em vez de afetar as populações rurais e isoladas, está acontecendo nas cidades. Na Argentina, onde a carne é tão importante quanto o pão no Egito ou o arroz na Ásia, há falta de bife. Em todas as partes os altos custos dos alimentos, a escassez, a monopolização e a especulação estão ocasionando duros conflitos políticos, conflitos entre produtores e consumidores, entre o campo e as cidades e entre países exportadores e importadores. A classe média dos países ricos também se vê afetada.

Evidentemente, estamos na presença de um fenômeno global, grave e sem precedentes.

A fome é uma experiência muito antiga. As fomes aparecem na narrativa de todas as religiões. Mas a atual precariedade do sistema alimentar mundial tem causas muito modernas que incluem tanto grandes sucessos governamentais como importantes fracassos; avanços científicos milagrosos e estancamento tecnológico, o uso do mercado para solucionar problemas e a incapacidade para intervir adequadamente quando este falha.

Uma parte do recente aumento dos preços dos alimentos se deve a um fabuloso e recente triunfo da humanidade: mais pessoas do que nunca podem comer três vezes ao dia. Brasil, Vietnã, Turquia, China e Índia são apenas alguns dos países onde milhões de pessoas hoje comem mais e melhor. As revoluções científicas aumentaram a produtividade agrícola e provavelmente voltarão a fazê-lo outra vez. Se a produção de alimentos aumentou muitíssimo, não foi tão rapidamente quanto o consumo; daí os aumentos dos preços.

Mas, há outros fatores que inibem o crescimento da produção. Um fator novo é a mudança climática. A produção de arroz na Ásia se viu afetada por um padrão irregular de secas e chuvas torrenciais. Em outros países, os ciclos de colheita estão se encurtando e as mudanças de temperatura dão origem a novas pragas. O alto preço do petróleo colocou na moda os biocombustíveis. Para os agricultores, agora se torna mais lucrativo produzir milho para encher os tanques dos carros do que para encher estômagos. O aumento do preço do milho estimula a demanda e os preços de outros cereais. E produz manifestações de rua no México.

Mas o que mais determina a produção mundial de alimentos são as políticas governamentais. E estas políticas favorecem os produtores, enquanto seus custos repercutem nos consumidores. Em todos os países, o lobby agrícola está melhor organizado, tem mais dinheiro e é politicamente mais influente que os consumidores de alimentos que, paradoxalmente, somos todos nós. Isto explica o surrealista e ineficiente emaranhado de tarifas, subsídios, controles, estímulos e regras que molda e corrompe a atividade agrícola e o comércio mundial de alimentos.

A boa notícia é que a crise alimentar mundial torna cada vez mais onerosas e insustentáveis muitas das distorções e obstáculos que existem atualmente.

(www.ecodebate.com.br) publicado pelo IHU On-line, 10/04/2008 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

abril 08, 2008

Estudo revela complexidade do trabalho na agricultura orgânica

Via Ecodebate: Agricultura orgânica vem crescendo e ganhando mercado no Brasil e já é praticada em mais de 120 países. Aqui, chegam a 15 mil os produtores, com 90% das unidades de produção do tipo familiar e 10% do tipo empresarial. Prosperam no mesmo ritmo os estudos sobre a agricultura orgânica focando seus aspectos ecológicos, econômicos e sociais, elegendo-a como alternativa para o desenvolvimento sustentável. Entretanto, ainda são escassas as informações referentes, propriamente, ao trabalho deste agricultor. Por Luiz Sugimoto, do Jornal da UNICAMP.

Gestores sugerem pesquisas à academia

Sandra Francisca Bezerra Gemma, enfermeira do trabalho especializada em ergonomia, está entre os primeiros pesquisadores a olhar a agricultura orgânica pelo viés de quem a pratica. Complexidade e agricultura: organização e análise ergonômica do trabalho na agricultura orgânica é o título da tese de doutorado que ela apresentou na Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp, com a orientação do professor Mauro José Andrade Tereso e co-orientação do professor Roberto Funes Abrahão.

Em sua pesquisa de mestrado, a autora já havia destacado a predominância das tarefas manuais neste segmento agrícola, devido principalmente à eliminação do uso de agrotóxicos. Agora, no doutorado, ela acompanhou a intensa atividade dos gestores de unidades de produção em municípios da região de Campinas. “Tendo atuado por vários anos na indústria e no setor de serviços, conhecer a agricultura a partir da ótica dos agricultores foi um desafio extremamente interessante”.

A tese discorre sobre a complexidade do trabalho na agricultura orgânica, por incorporar preceitos ecológicos, econômicos e sociais de sustentabilidade. “Muitos autores afirmam que questões ecológicas e econômicas são conflitantes na maior parte das vezes. Mas é o gestor quem precisa traduzir esses preceitos em práticas agrícolas, zelando para que a unidade de produção seja viável economicamente, sustentável ecologicamente e, além de tudo, justa socialmente”.

Num levantamento em dez propriedades, Sandra Gemma registrou a média de 39 itens de produção, sendo que algumas superam os 80 itens. “Trata-se de um macro sistema a ser gerenciado, pois boa parte das unidades tem associada a produção animal (ovos, leite, mel) e processa produtos como geléias, compotas, polpas de frutas, queijos, manteiga, iogurte. Cerca de 40% delas ainda mantêm um segmento de serviços, com turismo rural, recepção a estudantes, cursos e eventos ligados a agricultura orgânica”.

A capacidade de cada trabalhador em cultivar dezenas de espécies, artesanalmente, impressionou a enfermeira desde o mestrado. Ela também ouviu as queixas, sobretudo em relação a tarefas manuais, movimentos repetitivos, posições incômodas, dores nas costas, exposição a intempéries. “São problemas comuns no trabalho agrícola, mas que podem se agravar ou se tornar mais freqüentes na agricultura orgânica”.

As ervas daninhas da horta, por exemplo, na agricultura convencional são eliminadas com herbicidas. Na agricultura orgânica, elas são arrancadas manualmente. “Outra atividade repetitiva e desgastante é o ensacamento de frutas no pé, como da goiaba, embrulhada uma a uma para protegê-la de doenças e pragas. Muitas vezes, esse trabalho é feito em cima de escada e em terreno inclinado, com os braços esticados acima da cabeça”.

Saber tácito – Na estrutura predominantemente familiar (quando há empregados, são poucos) destaca-se a figura do gestor, objeto central do estudo de Sandra Gemma. “Ele deve ter um olhar clínico sobre o agroecossistema (terra, clima, água, policultivos, animais) e suas interações. É um conhecimento chamado de saber tácito, desenvolvido no cotidiano do trabalho. Se na agricultura convencional existe um receituário pronto, na orgânica cada unidade deve ser vista e cuidada como um ser vivo”.

Ao gestor cabe tomar uma série de decisões relacionadas com os múltiplos cultivos, desde o preparo do solo e o plantio, passando pelos tratos culturais, a colheita, até o beneficiamento pós-colheita. “Ele se responsabiliza por tarefas de produção e ainda se incumbe de toda a parte administrativa, planejando e coordenando as diversas atividades, contratando pessoal e gerindo as finanças e o patrimônio familiar”.

Além de planejar e executar a produção, o gestor tem de vendê-la, o que é mais um elemento de complexidade em seu trabalho. “A maior parte dos gestores mantém vários clientes: o consumidor da feira, as redes de supermercados, os lojistas e aqueles que compram pela Internet, entre outros. Um dos entrevistados possui mais de cem clientes de naturezas diversas”.

A pesquisadora lembra que os produtos da agricultura orgânica devem ser certificados para comercialização, o que leva o gestor a cuidar do atendimento à prescrição das certificadoras, cujas normas equivalem, grosso modo, aos de programas ISO para empresas. “Além da certificação, ele deve lidar também com a legislação ambiental, pois outra tarefa importante é a de reflorestamento e recuperação da mata ciliar”.

Complexidade – Sandra Gemma limitou a primeira parte da pesquisa a duas unidades de produção, em Itu e Jarinu, simplesmente por que outros gestores não puderam recebê-la devido à carga de trabalho. Ainda assim, por dez meses, teve de recorrer mais à observação direta do que a entrevistas com os dois produtores, até reunir conhecimentos para elaborar um questionário destinado a outros proprietários, em Santo Antonio de Posse, Jaguariúna, Paulínia, Valinhos, Serra Negra e Indaiatuba.

“O trabalho do gestor é vital para a produção orgânica, já que tudo é arquitetado por ele. Mesmo que para o observador seja difícil saber tudo o que contém a ‘caixa preta’, procuramos ver o que ele faz, por que faz, como faz e, principalmente, quais são as estratégias que desenvolve para superar as dificuldades”, explica a pesquisadora.

Daí, a tese de doutorado estar fundamentada na Teoria da Complexidade, de Edgar Morin, segundo a qual a organização vai sendo construída constantemente, através da ordem, da desordem e da interação. A cada dia surgem novos desafios, que exigem capacidade de improvisação. “É exatamente o que vimos: o agricultor lidando com uma diversidade enorme de cultivos, em ambiente de pouca tecnologia e conhecimento”.

A grande demanda por pesquisas na agricultura orgânica, conforme ressalta a autora, é um desafio para a academia. “Os produtores pedem o desenvolvimento de variedades de plantas adaptadas para manejo orgânico, técnicas de controle de pragas e doenças (em plantas e animais), estudos que favoreçam a logística de comercialização e um herbicida orgânico para que não precisem arrancar ervas daninhas com as mãos”.

Sem estresse – A saúde física e mental demonstrada pelos produtores, apesar do trabalho excessivo e das dificuldades para sustentar a atividade, é um tema que mereceria outra tese, na opinião de Sandra Gemma. “Afora algumas queixas de dores, não encontrei ninguém incapacitado ou com problemas crônicos. Poderíamos tentar descobrir por que, havendo tanto risco, essas pessoas adoecem tão pouco”.

A multiplicidade de tarefas e a possibilidade de gerenciar o próprio tempo, pausando o trabalho quando há dor ou cansaço, são fatores que contribuem para evitar a sobrecarga. No entanto, a impressão da pesquisadora é de que a força maior vem do significado que eles atribuem ao próprio trabalho.

“Os produtores encaram os seus desafios como nobres, têm orgulho do que fazem. Sentem-se comprometidos com o meio ambiente e a saúde das pessoas. Acho que a ergonomia pode contribuir para aprimorar a produção orgânica, na tentativa de que ela também carregue em si as bases para um trabalho humano mais sustentável na agricultura”, finaliza.

Alguns dados no Brasil e no mundo

Os países com as maiores áreas cultivadas organicamente são a Austrália (11,8 milhões de hectares), Argentina (3,1 milhões), China (2,3 milhões) e EUA (1,6 milhão).

O Brasil vem na 6ª posição mundial, com 842 mil hectares (o triplo da área ocupada em 2001), e a 2ª posição na América Latina, atrás da Argentina.

Os países com maior número de produtores são México (83.174), Itália (44.733), Uganda (40.000), Sri Lanka (35.000) e Filipinas (34.990); o Brasil ocupa a 14ª posição (15.000).

O Brasil evoluiu de 50.000 hectares sob manejo orgânico com produção certificada em 2000, para 841.769 hectares em 2004, o que representa um crescimento de 1.583%.

As grandes unidades brasileiras (com mais de 100 hectares) se destacam na produção de frutas (manga e uva), além de cana-de-açúcar, café, soja e milho.

Atualmente, começa a despontar a pecuária orgânica em áreas extensivas. No país, o total de bovinos que estão em conversão para o manejo orgânico chega a 600.000 animais.

Pesquisa mundial aponta para cerca de 31 milhões de hectares cultivados organicamente, por 634 mil agricultores, sendo que a Oceania detém 39% da área agrícola, seguida pela Europa com 23% e América Latina com 19%