março 08, 2006

Balanço mundial de 2005

Balanço mundial de 2005 (I) Meio Ambiente
Por Arthur Soffiati publicado na Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes em Fevereiro de 2006

Num pequeno artigo publicado na Folha de São Paulo, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos conseguiu fazer um balanço sucinto de 2005, enfocando mais as questões estruturais que conjunturais. Como não tenho seu poder de síntese, pretendo fazer um balanço em três artigos. O primeiro examinando o estado planetário do meio ambiente; o segundo tratando de economia e sociedade; o terceiro dedicado às relações internacionais. Qualquer pessoa pode fazer balanços, a começar de sua vida pessoal e chegando ao plano global. Fiando-me nisto é que me atrevo a fazer os comentários seguintes.

Aquecimento global.

Este assunto deixou de ser polêmico, a não ser no pensamento provinciano, pois os grandes cientistas chegaram à quase unanimidade de que as temperaturas do planeta estão subindo perigosamente. Claro que, na história da Terra, já houve momentos mais quentes e mais frios do que o momento atual, de elevadas temperaturas. A diferença é que, no passado, as oscilações climáticas deviam-se a processos naturais. O atual está sendo causado por atividades humanas coletivas, principalmente pelos Estados Unidos e pela China, os dois grandes viciados no consumo de combustíveis fósseis. As Conferências de Estocolmo (1972) e do Rio de Janeiro (1992) alimentaram a ilusão de desacelerar o processo de consumo de petróleo, carvão mineral e gás natural. A velocidade de extração e queima só aumentou.

2005 foi o ano mais quente da fase industrial da história humana e 2006 promete ser mais quente ainda. O aumento de temperatura provoca o derretimento de geleiras marinhas e continentais, elevando o nível dos mares e ameaçando as cidades costeiras e as ilhas. O aumento da produção e da concentração de gases do efeito estufa na atmosfera, sobretudo de CO2, acidificam os oceanos e inibem sua capacidade de produzir oxigênio. As mudanças climáticas são imprevisíveis, podendo aquecer ou esfriar pontos do planeta, aumentando o trabalho dos microorganismos responsáveis pela liberação de mais gás carbônico, produzindo fenômenos desastrosos como os furacões, alterando as correntes oceânicas e provocando a migração de espécies animais.

O Tratado de Kioto já nasce morto, pois não dá conta de enfrentar o problema climático. James Lovelock, o grande cientista inglês, criador da Teoria de Gaia, acredita que os níveis de aquecimento planetário chegaram a um ponto irreversível.

Desmatamento.

As florestas tropicais, que prestam bem mais serviços ambientais planetários que as florestas temperadas, estão sendo devastadas em velocidades espantosas. As comemorações do governo brasileiro, em 2005, pela diminuição do desmatamento da Amazônia, e as palavras cândidas de Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, não são convincentes. A verdade é que a devastação da Amazônia alcançou um ponto preocupante. Sendo ainda a maior floresta tropical do mundo (mesmo porque as do Congo, da Malásia e da Indonésia já foram dizimadas), ela está intimamente ligada à questão climática. Quanto menos floresta, mais emissão ou menos retenção de CO2 e menos produção de oxigênio, ainda que a grande floresta não supere os oceanos em ambos os serviços.

Empobrecimento da biodiversidade.

A destruição dos ecossistemas e dos biomas está ameaçando cada vez mais a existência de espécies dos cinco reinos. Não vamos ficar apenas no direito que cada espécie tem à vida, mas no papel ecológico que elas cumprem. A vida e as atividades humanas tornam-se impossíveis sem a operosidade das bactérias, dos protozoários, dos fungos, dos vegetais e dos animais. Quanto maior a diversidade, melhor a qualidade de vida humana. Quanto mais pobre a biodiversidade, pior para a humanidade. Basta dizer que, sem o trabalho das bactérias, os sistemas vitais sofrem profundos abalos. Sem as plantas, o equilíbrio do ambiente se quebra.

Acidentes.

A civilização industrial plantou bombas de efeito retardado em todo o planeta. Com freqüência cada vez maior, elas explodem. Foram assustadoras a poluição do rio Songhua por uma explosão numa das fábricas da companhia PetroChina, com grande vazamento de benzeno, e a explosão de um depósito de combustível perto de Londres, causando o maior acidente na Europa em tempos de paz. E outras minas mais deverão detonar a nossos pés.

Epidemias.

A economia capitalista na sua fase de globalização está ampliando as condições favoráveis à eclosão de epidemias, como são os casos da gripe aviária, das febres maculosa e aftosa. E a tendência é que surjam outras.

Escassez de recursos.

Ao contrário do que o pensamento europeu dos séculos 17 e 18 pensavam, os recursos são esgotáveis e deve-se considerar a ameaça de fome e miséria que a escassez representa para a maior parte da humanidade. A exploração deles se acentua. A concentração das riquezas geradas por eles aumenta e a demanda cresce em progressão geométrica. É preciso entender o neomalthusianismo por outra perspectiva, agora que tocamos nos limites planetários: não é possível um crescimento ilimitado dentro de um sistema limitado. Temos uma Terra apenas.


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Folha da Manhã,
Campos dos Goytacazes,
12 de Fevereiro de 2006

Balanço mundial de 2005 (II): economia e sociedade
Arthur Soffiati

No contexto de uma economia neoliberal globalizada, o crescimento mundial, em 2005, chegou a 4,3%, segundo recente relatório do Fundo Monetário Internacional. Talvez agora, com a elevação do preço do barril de petróleo de US$ 55 para US$ 65, a taxa de crescimento tenha diminuído. Era de se esperar, com este bom desempenho da economia, uma correspondência no plano social. No entanto, não foi o que se verificou. Antes, a situação das pessoas piorou assustadoramente. Recorro a um relatório da Organização Internacional do Trabalho, órgão da ONU.

Situação mundial dos trabalhadores.

Entre 1995 e 2005, o número de trabalhadores cresceu 6,5%. De 2004 para 2005, este crescimento alcançou o percentual de 1,5%. O mundo conta, atualmente, com 2,8 bilhões de trabalhadores. Todavia, a metade deste número, ou seja, 1,4 bilhão, vive abaixo da linha de pobreza, recebendo cerca de US$ 2 por dia. Insira-se neste número 500 milhões de trabalhadores vivendo em estado de miséria, com US$ 1 por dia. Em 2005, apenas 14,5 milhões ultrapassaram este patamar de miséria.

Por outro lado, as cifras relativas ao desemprego estarrecem. Em 2004, havia 189,6 milhões de trabalhadores que foram demitidos ou não conseguiram postos de trabalho. Em 2005, este número subiu para 191,8, isto é, um aumento de 2,2 milhões. Dos 191,8 milhões, metade é representada por jovens, que encontram mais dificuldade de conseguir emprego.

O desemprego por regiões.

As regiões do mundo em que o desemprego mais aumentou em 2005, ainda segundo o relatório da OIT, foram América Latina e Caribe, passando de 7,4% em 2004 para 7,7% em 2005. As taxas no Oriente Médio e norte da África são as mais altas do mundo, no entanto deve-se considerar seu caráter crônico. Lá, houve uma pequena elevação: de 13,1% em 2004, passou-se a 13,2% em 2005. Na África Subsaariana, registrou-se um pequeno recuo. Em 2004, a taxa de desemprego alcançava 9,9% em 2004, caindo para 9,7% em 2005. Na União Européia e nas outras economias mais poderosas do mundo, houve uma redução do desemprego de 7,1% em 2004, para 6,7% em 2005.

O emprego por setores da economia.

O relatório da OIT mostra que a agropecuária é o setor que mais gera emprego. Em 1995, 44,4% dos trabalhadores do mundo dependiam dela. Em 2005, esta cifra caiu para 40,1%, equivalente a 1,1 bilhão de empregos. O setor de serviços ocupa o segundo lugar, respondendo por 34,5% dos postos de trabalho em 1995 e 38,9% em 2005. Quanto à indústria, mínima foi sua contribuição para a geração de empregos em dez anos. Em 1995, ela empregava 21,1%. Em 2005, este número caiu para 21%. Pode-se interpretar que o aumento de postos de trabalho no setor de serviços corresponde à redução de trabalhadores do setor agropecuário, que não passam pela indústria. Na Ásia e na África Subsaariana, a agropecuária responde por 60% dos postos de trabalho.

O Caso da China.

O crescimento da economia chinesa vem impressionando e assustando governos e empresários dos países ricos e emergentes. Em 2004, o crescimento da economia chinesa chegou a 10,1%. Em 2005, o produto interno bruto da China atingiu 9,9%, equivalendo a 18,2 trilhões de yuans (US$ 2,3 trilhões). Ela alcançou o quarto PIB mundial, ficando atrás somente dos Estados Unidos, do Japão e da Alemanha e ultrapassando de uma só vez a França e o Reino Unido. O segredo deste crescimento acelerado e perigoso é muito simples. Ele combina mão-de-obra abundante e barata, enormes investimentos em infraestrutura e tecnologia, um mercado interno em rápido crescimento, preços baixos, exportações e investimentos estrangeiros.

Interpretação.

O relatório da OIT mostra que, no capitalismo, notadamente na sua fase neoliberal globalizada, crescimento econômico não significa geração de trabalho e renda que possa melhorar a qualidade da vida humana. Bem ao contrário, o que se verifica são as sofríveis condições de quem tem um posto de trabalho e a miséria de quem não tem. O aviltamento dos salários e a automação concorrem para o empobrecimento da maioria da população e para o agravamento das injustiças sociais. Nunca houve, na história da humanidade, tanta desigualdade, pobreza e miséria. Na China, já existe uma população com padrões de vida norte-americanos, mas a maioria vive em condições degradantes. O consumo de energia e de matéria prima para promover este crescimento, seja com automação ou com trabalho barato, acelera a crise ambiental planetária. Em síntese, a revolução industrial criou modos de vida ecológica e socialmente insustentáveis. E a maioria das pessoas ainda não tomou a devida consciência desse desastre. Ao Estado cabe um papel de extrema importância: disciplinar e transformar a economia de modo que ela se enquadre nos limites da natureza e atenda às necessidades básicas do ser humano. Ele não pode ficar de fora.


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Folha da Manhã,
Campos dos Goytacazes (RJ),
19 de Fevereiro de 2006

Balanço mundial de 2005 - (III A): política internacional
Arthur Soffiati


A má e a boa globalização.

Melhor que tentar deter o processo de globalização é tentar mudar seu curso, como ensina Edgar Morin. Não se trata de um acordo de civilizações em que todas entram com o mesmo peso, mas de um processo de ocidentalização imposto ao mundo a partir do século 15. A má globalização caminha a passos largos. Ela favorece as corporações transnacionais, que só têm compromisso com lucros e dependem de estados nacionais que facilitem seus interesses. Esta globalização destrói cada vez mais os ecossistemas do planeta e gera desigualdades sociais e pobreza. Nenhum acordo em favor do meio ambiente e dos pobres pode avançar. Já a boa globalização, que engatinha, pleiteia um pacto entre humanidade e natureza, como preconizam Michel Serres e Stephen Jay Gould, o enfraquecimento do estado nacional em prol de uma confederação e de um poder mundial para corrigir as distorções sociais. Estamos longe deste ideal.

A reforma da ONU.

Alguns países, tendo à frente o Brasil, vêm pleiteando uma reforma na Organização das Nações Unidas nada mais do que pífia. Ela visa tão somente a inclusão dos reivindicadores como membros permanentes no Conselho de Segurança. A ONU está velha e não poderá mais atender às demandas do mundo enquanto o poder não se transferir progressivamente para a Assembléia Geral.

América Latina.

A resistência de Cuba como um fóssil socialista, ao lado da Coréia do Norte, é uma pedra no sapato dos Estados Unidos, mas não machuca como machucou no passado. Agora, Hugo Chaves, presidente da Venezuela, parece mais ameaçador. Sua aparência de ditador nos engana, pois ele governa de acordo com a constituição do país. Lula e o PT fracassaram. Só o tempo dirá se ambos vão se recuperar. A novidade fica por conta de eleições recentes na Bolívia e no Chile que levaram presidentes nacionalistas e socialistas. Na Bolívia, a maioria da população é mestiça e conseguiu eleger Evo Morales, líder cocaleiro como seu presidente. O movimento de mestiços na Bolívia me fez recordar o movimento Taqui Ongo, no século 16, e de Tupac Amaru, no século 18, mas difere de ambos porque o processo de aculturação já mudou bastante as culturas nativas.

Se, no Brasil, elegeu-se um operário, na Bolívia elegeu-se um operário de origem indígena, o que não garante o sucesso do seu governo. Enquanto isto, no Chile, elegeu-se uma mulher socialista que não pretende repetir Allende. Cabe ainda chamar a atenção para as dificuldades do Haiti, o mais pobre país da América Latina e mergulhado numa crise crônica. Não bastam eleições limpas para começar uma democracia. É preciso atacar os gravíssimos problemas ambientais e sociais do país.

Mundo islâmico.

Desde Khomeini, o mundo islâmico vem buscando uma via estranha que mistura retorno ao Islã fundamentalista e tecnologia ocidental. Como no judaísmo e no cristianismo, dos quais deriva, o islamismo tem uma raiz intolerante que, atiçada pela presença econômica e política do ocidente, vem assustando os países dominantes. Mas esta onda não referenda a tese de Samuel P. Huntington sobre o choque de civilizações. Existem dois focos desastrosos de instabilidade que teriam solução diplomática caso deixassem a ONU ser mais forte. Um deles é a questão palestina, que começou em 1948, quando foi fundado o Estado de Israel. As quatro investidas militares de Israel contra os palestinos e países árabes vizinhos acirraram os ânimos dos palestinos, que pleiteiam a criação de um Estado próprio ou o não reconhecimento do estado de Israel pelos grupos mais extremistas. Por incrível que pareça, a solução estava
a caminho pelo reacionário e militarista Ariel Sharon e pelo governo da Autoridade Nacional Palestina quando o primeiro sofreu grave acidente vascular cerebral e a segunda foi alcançada pelo Hamas, ala intransigente. Outro problema foi causado pela arrogância norte-americana depois do ataque às torres gêmeas do World Trade Center, em Nova Iorque. A invasão do Afeganistão e do Iraque foi alicerçada em motivos mentirosos e agora os Estados Unidos não sabem como sair da arapuca. Se, por um lado, a Síria terminou uma ocupação de 29 anos no Líbano, as tensões aumentaram com o anúncio do Irã em promover o enriquecimento de urânio.

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Folha da Manhã,
Campos dos Goitacases (RJ),
26 de Fevereiro de 2006

Balanço mundial de 2005 - (III B): política internacional
Arthur Soffiati

União Européia.

Immanuel Wallerstein vê numa Europa unida a única força, no momento, capaz de fazer frente ao poder imperial norte-americano, que, segundo ele, está em franco declínio. No entanto, a recusa de sancionar a Constituição da EU por alguns países, a começar pela França, enfraqueceu a organização. Mas nem tudo está perdido. A aliança pode voltar a se fortalecer. Difícil é crer que o bloco atue unido, já que alguns países, à frente o Reino Unido, apoiaram os Estados Unidos na invasão do Iraque. Agora, a eleição conturbada de Angela Merckel, na Alemanha, divide mais ainda a frágil unidade. Outro fator apontado por Wallerstein é a invasão branca da Europa por imigrantes africanos e asiáticos. Este avanço pacífico tornou-se violento na França,
em 2005, e vem favorecendo o crescimento da extrema direita em vários países.

China e Índia.

Estes dois países despontam como potências econômicas emergentes e assustam o G-8, que reúne os sete países tradicionalmente mais ricos do mundo e a Rússia. Os governantes de quase todos os países, em suas propostas e planos de governo, prometem e desejam o melhor de dois mundos. Por exemplo, crescimento econômico com justiça social e proteção ao meio ambiente. Boaventura de Sousa Santos, em seu balanço de 2005, mostra que a China busca o pior de dois mundos. De um lado, opta por um crescimento econômico rápido e a qualquer custo, aprofundando as desigualdades sociais e destruindo o meio ambiente.

De outro, mantém um governo centralizador e autoritário bem próximo das ditaduras declaradas, mas de orientação pragmática na economia. Já a Índia está longe do ideal de Gandhi de retomar as formas tradicionais de vida. Nehru deu-lhe outra orientação, buscando ocidentalizar o país. Hoje, a Índia faz parte do clube atômico, junto com o Paquistão, país vizinho com o qual mantém antiga contenda desde 1947 por conta da região de Caxemira. Pelo menos, o governo é escolhido por eleições.

África.

Debilitou-se, na África, aquele sentimento de otimismo e de esperança existente no início do processo de descolonização. Mesmo com lutas e sofrimento, as lideranças africanas esperavam criar Estados Nacionais que prosperassem. Todavia, a dependência econômica aos países centrais e as lutas internas provocaram uma devastação no continente. Do ponto de vista ambiental, a opulência dos biomas africanos beira ao esgotamento. Ao mesmo tempo, a maioria da população se empobrece mais e se torna vítima de doenças. Confrontando hoje o mapa da pobreza com o mapa da AIDS, fica claro que estamos diante de uma doença da pobreza e da ignorância, dois traços marcantes do continente africano. Dos cerca de 40 milhões de pessoas contaminadas no mundo, dois terços estão na África. Mais que pobreza, reina a miséria neste continente.

Existem guerras surdas, mas genocidas, que os países ricos e a grande imprensa internacional esquecem. A mais destruidora é a da República Democrática do Congo, que já matou quatro milhões desde 1998. O norte de Uganda enfrenta uma guerra de 18 anos e o Sudão padece com a mais longa guerra da África, que já dura vinte anos. Há problemas graves ainda na Libéria, na Costa do Marfim, e na Serra Leoa. Na última reunião do G-8, em 2005, ocorrida Gleneagles, Escócia, os integrantes do grupo decidiram aumentar a contribuição financeira para ajuda humanitária na África de US$ 25 bilhões para US$ 50 bilhões, com a advertência de que os países tenham juízo na aplicação dos recursos.

De fato, as crises nos países africanos favorecem a corrupção, mas juízo também falta aos países do G-8, que descartaram a África até da globalização.

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