janeiro 28, 2006

Berçários Para a Amazônia

Por Vilmar Berna*

As chuvas voltaram a encher os rios, igarapés, lagos - de água, mas não de peixes! A seca matou a vida que existia nessas águas e recuperar tudo de novo vai levar tempo, mas podemos dar uma mãozinha!

Novembro de 2005 vai ficar na memória. Pela primeira vez a maioria de nós ouviu falar em seca nos estados de Rondônia, Pará e Amazonas, a mesma Amazônia que abriga as maiores reservas de água doce do planeta! Três meses depois, dos 63 municípios do Estado do Amazonas, 62 ainda estavam em situação de emergência por causa da seca. Segundo o físico Alejandro Fonseca Duarte, coordenador do Grupo de Estudos e Serviços Ambientais da Universidade Federal do Acre (UFAC), o problema ainda não passou. Existe a tendência de uma nova onda de intensa estiagem em toda a Amazônia Ocidental. No Acre, segundo o Acrebioclima, as chuvas totais em 2005 ficaram 200 milímetros abaixo da média normal. Como a distribuição das chuvas pelos meses do ano é insignificante nos meses de maio e setembro, os resultados foram um excesso de queimadas, fumaça, seca, e, de quebra, uma virose que levou centenas de crianças aos hospitais em todo o Estado.

O Governo Federal teve de prolongar por mais um mês o seguro-defeso, uma espécie de salário-desemprego, para os mais de 36 mil pescadores artesanais da Bacia Amazônica, que inclui os estados do Amazonas, Acre, Amapá, Pará, Mato Grosso e Rondônia e o Governo do Estado do Amazonas está distribuindo cestas básicas nos barcos do Pronto Atendimento Itinerante (Pai), através do Programa S.O.S Interior. Mas um mês acaba rápido e o que será desse enorme contingente de trabalhadores e suas famílias que dependem da vida dos rios para sobreviverem?

E o que será da biodiversidade e das espécies que de uma forma ou de outra dependem da vida que começa nos rios e lagos da Amazônia? Não há nada mais urgente no Brasil que a preservação da biodiversidade, que se perde a cada queimada, a cada seca. Enquanto uma área degradada ou poluída pode ser, bem ou mal, recuperada, ou uma família que migrou pode retornar, uma espécie quando se extingue é para sempre, nunca mais pode ser recuperada. Os cientistas estimam que um terço dos animais e das plantas catalogados estão condenadas a desaparecer em 20 ou 30 anos! Se pretendemos contribuir para a preservação da biodiversidade no Brasil temos de assegurar também a inclusão social de milhares de brasileiros que dependem diretamente dessa biodiversidade e vivem em situação de grande vulnerabilidade social diante de fenômenos como este, através de soluções que favoreçam o desenvolvimento econômico sustentável.

Por isso, em vez de simplesmente esperar que a natureza se recupere sozinha, por que não damos uma mãozinha? Em meus sonhos, penso nesses 36 mil pescadores artesanais, com nome e endereço conhecidos, que precisam ser socorridos a cada seca, e que logo verão terminar o dinheiro do salário-defeso e os alimentos da cesta básica. Será muito difícil convencê-los a não praticar a pesca predatória diante de recursos naturais cada vez mais escassos.

Entretanto, em vez de precisarem de ajuda, poderiam estar ajudando se tambe´m recebessem a ajuda de um projeto de aqüicultura com espécies da região adaptáveis à vida em cativeiro. Os pesquisadores poderiam se associar a estes pescadores a fim de produzir conhecimentos compartilhados indispensáveis na constituição do ordenamento, manejo e extensão na atividade pesqueira adaptada a cada região e as organizações governamentais e não-governamentais poderiam estabelecer um amplo leque de aliança que resulte na implantação do Projeto, começando já por um processo de consultas públicas, que mobilize entre 50 e 100 participantes por oficina de trabalho, envolvendo as populações que se encontram nas áreas atingidas pela seca especialmente aquelas próximas a berçários naturais e áreas ambientais protegidas. Essas oficinas, em geral, podem durar de dois a três dias e nelas serão discutidos os interesses e os pontos de vista de todos os presentes. No final do encontro, os participantes são convidados a manifestar uma posição contra ou a favor da criação do projeto na região e indicar sua preferência em relação às espécies a serem cultivadas. Essas oficinas bem como os documentos e decisões resultantes delas ficarão disponíveis para consulta pública permanentemente no site do Projeto.

Em cada região escolhida deve ser instalado um Centros de Pesquisa e Produção em Aqüicultura destinado à produção de larvas e alevinos de espécies de interesse comercial, mas também de interesse ecológico, de cada região, uma parte para distribuição gratuita aos pescadores e outra para a soltura nos rios e lagos da região, mediante estudo prévio de impacto ambiental. Nestes Centros, os pescadores receberiam educação ambiental bem como capacitação em piscicultura adequada às espécies que estivessem cultivando, capacitação em cooperativismo e gestão de negócios para eles próprios aprenderem a gerenciar e comercializar seus produtos, as mulheres dos pescadores receberiam cursos de culinária, artesanato e outros do interesse delas para poder extrair sub-produtos e reduzir o desperdício de pescado, etc. Após a conclusão do curso, receberiam infra-estrutura, assistência técnica e os alevinos para o cultivo e engorda.

Os pescadores seriam capazes de assegurar de forma permanente alimento não só para si e sua família, mas também gerariam excedentes que tanto poderiam ser comercializados diretamente quanto serem processados em mini-indústrias comunitárias com o uso de tecnologias bem como seria fundamental a existência de uma câmara frigorífica para agregar valor ao produto. As redes escolares públicas municipais e estaduais poderiam assegurar a compra de parte da produção para colocação na merenda dos alunos.

Os grandes centros consumidores tomariam conhecimento do Projeto através de uma campanha de publicidade e marketing, ressaltando os benefícios do consumo de pescado para a saúde, mas também o aspecto de inclusão social e recuperação ambiental dos berçários da Amazônia. O comércio eletrônico seria incentivado através da implantação da Bolsa de Mercadorias Sócio-Ambientais no site do Projeto e nos sites parceiros, onde os consumidores poderiam conhecer os produtos disponíveis, quantidades, valores, e também seus produtores e locais de produção, tudo ao alcance de um clique de mouser, com fotos e outros detalhes disponíveis no site do projeto e nos sites dos parceiros. A Internet seria ainda intensamente utilizada pelos parceiros e pesquisadores envolvidos no projeto para a troca de idéias, experiências, pedidos de ajuda, troca de recursos, etc.

As mercadorias, mesmo as perecíveis, poderiam ser remetidas por Correio ou via aérea em embalagens adequadas aos centros consumidores, ou por sistemas de transporte próprios do Projeto que livrem os pescadores dos atravessadores, permitindo obter melhor renda com a venda de seus produtos, reduzindo assim a diferença entre o preço da primeira e da última comercialização.

Com alimento e renda garantida, esses pescadores e suas famílias não teriam mais que abandonarem suas terras e migrarem para as favelas inchando as cidades, também não sofreriam mais com a proibição de pescar nas épocas do defeso. Indiretamente estariam contribuindo para o fim da pesca predatória, pois não precisariam mais tirar o peixe da natureza, e assim a natureza poderia se recuperar bem mais rápido. John Barrymore disse certa vez que “o homem começa a envelhecer quando as lamentações tomam o lugar dos seus sonhos!” Espero permanecer jovem por muito tempo.

* Vilmar Berna é jornalista, fundou e edita o Jornal do Meio Ambiente / www.jornaldomeioambiente.com.br e já publicou 15 livros. É presidente da OSC REBIA – Rede Brasileira de Infromação Ambiental e, em 1999, recebeu o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente, e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas. vilmarberna@jornaldomeioambiente.com.br – Telfax: (021) 2610-2272

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