Por Clarissa Taguchi
Quantos de nós parecem se incomodar com a falta de água para beber, tomar banho, cozinhar ou apertar o botão da descarga? Não parece, mas somos muitos. Somos muito mais do que aqueles que reclamam quando a cisterna seca no ápice do verão. Somos aqueles que vivem em cidades menores, que dependem diretamente da água de rios, riachos, nascentes e de poços artesianos. Somos aqueles que vivem em bairros esquecidos das cidades maiores, onde o saneamento básico (água e esgoto) ainda não chegou.
Somos mais de 45 milhões de brasileiros sem acesso à água potável e mais de 90 milhões sem acesso à rede de esgoto (dados do IBGE em 2004). No mundo somos 1,197 bilhão de pessoas sem acesso à água potável e 2,742 bilhões sem saneamento básico (dados do Relatório de Desenvolvimento Humano de 2004). De acordo com a ONU, 41% da superfície atual do planeta é formada por áreas secas, como o semi-árido brasileiro, e 2 bilhões de pessoas vivem nessas áreas. Somos todas essas pessoas, de regiões secas ou úmidas, que não têm acesso à água para beber.
Imagine então, quando nos multiplicarmos. Imagine além, quando a desertificação for intensificada pelas mudanças climáticas. E imagine mais, quando a água cristalina que vemos embalada em garrafas pet, ou que sai da torneira de nossas casas, for contaminada pelos sistemas de esgoto mal tratados, pelo uso de agrotóxico das lavouras, pelo descarte de lixo tóxico das indústrias.
Saiba que não é preciso imaginar. Todos os dias, rios, riachos, lençóis e aqüíferos são contaminados. Todos os dias a estiagem atinge regiões onde antes não atingia, chegando a durar o dobro de tempo do que em décadas passadas. E todos os dias, em qualquer parte do planeta, nascentes são adquiridas por empresas transnacionais. Mas saiba também, que todos os dias seguem, um atrás do outro, sem parar nem por um segundo.
Mesmo assim não doeu?
Talvez seja uma boa idéia guardar a conta de água de hoje, a notinha da garrafa pet de água de hoje, moldurar na parede, e contar os dias daqui para frente. Contar também, quantas garrafas de água dava para comprar, e quantas outras coisas dava para comprar. Porque se considerarmos todos os bens de consumo que dependem da água para serem fabricados, sobra o quê?
Pensando assim, Michael McCarthy, editor de meio ambiente do jornal inglês The Independent, deu início a uma série de artigos colocando a água como próximo motivo de conflito entre as Nações. “As sociedades industrializadas do Oeste ainda não perceberam, que o recurso água encontra-se cada vez mais escasso para a maioria das populações pelo mundo, cerca de 1.1 bilhão de pessoas não tem acesso à água limpa, e isso tende a piorar”, diz.
“A maioria das pessoas quando pensa em água, visualiza o globo terrestre composto de dois terços de água, mas a maioria não sabe que apenas 2,5% dessa água não contém sal e dessa quantidade de água, dois terços encontram-se nas geleiras e glaciais. O que está disponível, em lagos, rios, aqüíferos e pela chuva, sofre uma pressão cada vez maior”, lembra McCarthy.
Em 2003, um relatório das Nações Unidas previu, na pior das hipóteses, que no meio deste século, 7 bilhões de pessoas em 60 países enfrentariam escasses de água. Se todas as medidas políticas forem cumpridas, esse número cairia para 2 bilhões em 48 países. Mas é preciso lembrar que em 2003, período em que o relatório foi lançado, o maior colaborador do fenômeno desertificação não havia sido devidamente reconhecido: as mudanças climáticas provocadas pelas ação de gases do efeito estufa emitidos pelas atividades humanas no planeta. Para McCarthy, é provável que as mudanças climáticas aumentem em 50% as condições para escasses de água.
A posição da Inglaterra
Segundo o jornal The Independent, “o Ministro da Defesa da Grã-Bretanha, John Reid, fez uma previsão sombria de que a violência e conflito político se tornarão mais prováveis nos próximos 20 ou 30 anos, na medida em que aumentar a desertificação, o derretimento das calotas polares e o envenenamento de fontes de água”. John Reid apontou as mudanças climáticas como o motivo dos conflitos violentos causados com o crescente aumento da população e a diminuição das reservas de água.
As declarações de Reid fizeram com que a pressão exercida por ambientalistas e especialistas do clima aumentasse com relação às emissões de gases do efeito estufa. Os ativistas esperam modelar uma nova campanha para exercer ações sobre as mudanças climáticas aos moldes da campanha ‘Make Poverty History’ do ano passado, que exerceu imensa pressão popular. O Primeiro Ministro Tony Blair já declarou que “o aquecimento global é a maior ameaça a longo prazo enfrentada pelo planeta”.
Para o Ministro da Defesa, as mudanças climáticas podem ser consideradas tão ameaçadoras para os próximos 20 e 30 anos quanto o terrorismo internacional, as mudanças demográficas e a demanda energética. “As Forças Armadas Britânicas deverão estar preparadas para enfrentar conflitos de recursos em escasses, deveremos estar preparados para dar alento humanitário aos desastres, medidas de segurança e pacificação em locais abalados politicamente e socialmente como conseqüência de desastres da mudança climática”, diz.
Em contrapartida, Charlie Kornick, coordenador da campanha sobre o clima da organização ambientalista Greenpeace, diz que “bilhões de pessoas já enfrentam a pressão da escassês de água devido às mudanças climáticas na África, Ásia e América do Sul, se os políticos perceberem o tamanho da gravidade que o problema pode se tornar, por que as emissões de gases CO2 na Inglaterra ainda continuam aumentando?”.
Os conflitos
De acordo com o mesmo jornal inglês, os conflitos tendem a vir das seguintes Nações:
Israel, Jordânia e Palestina: 5% da população do mundo sobrevive com 1 por cento da sua água disponível no Oriente Médio, nesse contexto ainda há a guerra entre árabes e israelenses. Isso poderia contribuir para crises militares adicionais enquanto o aquecimento global continua. Israel, os territórios palestinos e a Jordânia necessitam do rio Jordão mas Israel o controla e corta suas fontes durante épocas do escassês.. O consumo palestino é restringido severamente por Israel.
Turquia e Síria: Os projetos da Turquia para construir represas no rio de Euphrates levaram o país à beira de um conflito com a Síria em 1998. Damasco acusa Ancara de usar deliberadamente sua fonte de água enquanto o rio desce pelo país que acusa a Síria de proteger líderes separatistas curdos. A falta de água ocasionadas pelo aquecimento global aumentará a pressão nesta volátil região.
China e Índia: O rio de Brahmaputra já causou tensão entre Índia e China e pode se tornar uma faísca para dois dos maiores exércitos do mundo. Em 2000, Índia acusa China de não compartilhar informações sobre o funcionamento do rio desde o Tibet que causou inundações no nordeste da Índia e em Bangladesh. As propostas chinesas para desviar o rio também concernem à Deli.
Angola e Namíbia: As tensões aumentaram entre Botswana, Namíbia e Angola em torno da vasta bacia de Okavango. As secas fizeram a Namíbia reativar projetos para um encanamento da água de 250-milhas para fornecimento à capital. Drenar o delta seria letal para comunidades locais e para o turismo. Sem a inundação anual do norte, os ‘swamps’ encolherão e a água sangrará até o deserto de Kalahari.
Etiópia e Egito: O crescimento populacional no Egito, Sudão e Etiópia está ameaçando um conflito ao longo do rio mais comprido do mundo, o Nilo. A Etiópia está pressionando por uma parte maior da água azul do Nilo mas isso prejudicaria o Egito. E o Egipto está preocupado com a parte branca do Nilo que corre através de Uganda e Sudão, e que poderia ser esgotado também antes que alcance o deserto de Sinai.
Bangladesh e Índia: As inundações no Ganges causadas pelo derretimento das geleiras do Himalaia chegam à Bangladesh o que leva a uma ascensão na migração ilegal à Índia. Isto fez com que a Índia construísse uma imensa cerca na beira do rio na tentativa de obstruir os imigrantes. Cerca de 6.000 pessoas cruzam ilegalmente pela beira do rio em direção à India a cada dia.
Os fatos, segundo Michael McCarthy
Em nosso planeta aquoso, 97.5% da água é salobra, inadequada para o uso humano.
A maioria da água fresca está presa nas geleiras e glaciais.
A necessidade básica recomendada de água por a pessoa num dia é 50 litros. Mas as pessoas podem utilizar algo perto de aproximadamente 30 litros: 5 litros para alimento e bebida e uns outros 25 para a higiene.
Alguns países usam menos de 10 litros de água por pessoa ao dia. Gambia usa 4.5, Mali 8, Somália 8.9, e Moçambique 9.3.
Em contraste o cidadão médio dos EUA usa 500 litros de água por dia, e a média britânica é 200.
No oeste, é utilizado cerca de aproximadamente 8 litros para escovar os dentes, 10 a 35 litros para nivelar a descarga, e 100 a 200 litros para tomar banho.
Litros de água necessários para produzir 1 Quilo de:
-Batata 1.000 L
-Milho 1.400 L
-Trigo 1.450 L
-Galinha 4.600 L
-Carne 42.500 L
Matérias selecionadas do jornal inglês The Independent:
World's most precious commodity is getting even scarcer
Ask yourself what the world's most precious commodity is, and you might say gold; you might say diamonds. You'd be wrong on both counts. The answer is water. By Michael McCarthy, published at 28 February 2006 [http://news.independent.co.uk/environment/article348195.ece]
Water Wars: Climate change may spark conflict
John Reid warns climate change may spark conflict between nations - and says British armed forces must be ready to tackle the violence. By Michael McCarthy, published at 28 February 2006 [http://news.independent.co.uk/environment/article348177.ece]
Armed forces are put on standby to tackle threat of wars over water
Yesterday, Britain's Defence Secretary, John Reid, pointed to the factor hastening the violent collision between a rising world population and a shrinking world water resource: global warming. By Ben Russell, and Nigel Morris, published at 28 February 2006 [http://news.independent.co.uk/environment/article348196.ece]
março 02, 2006
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