Brasília, 29/03/2006 do Correio Braziliense
Empresário sueco compra parte da floresta para preservá-la e afirma que outros milionários estão interessados. Mas a titularidade da área, equivalente a 16 mil campos de futebol, pode ser irregular
A ambição de possuir uma floresta particular no coração da Amazônia brasileira levou o magnata sueco Johan Eliasch a negligenciar os riscos e fechar um amargo negócio de R$ 30 milhões, montante pago por 161 mil hectares de mata em Manicoré, ao norte do Rio Madeira. Uma área equivalente a 16 mil campos de futebol e cuja titularidade é investigada pela Superintendência do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) no estado do Amazonas. Produtor de cinema, diretor-executivo da empresa britânica de artigos esportivos Head e ambientalista nas horas vagas, Eliasch disse ao Correio que desconhecia os problemas legais quando adquiriu a propriedade do grupo americano GMO Renewable Resources.
“Antes de concretizar o negócio, falei com o governo do Amazonas, com seu secretário do Meio Ambiente (Virgílio Viana) e o ex-senador (Gilberto Miranda) Batista. Todos foram muito solícitos”, conta. A reportagem apurou que o GMO era até poucos meses o controlador da Gethal Amazonas, então a maior madeireira em atividade na região, com 40,8 mil hectares de floresta de manejo. Mas Eliasch, que é vice-tesoureiro do Partido Conservador britânico e tem patrimônio estimado em R$ 1,3 bilhão, promete “não derrubar mais nenhuma árvore” e comprar novas áreas de floresta com o lucro da venda dos chamados créditos de carbono (leia o Para Saber Mais) ao Reino Unido — um dos maiores emissores de gases poluentes. A idéia, apelidada de “colonialismo verde”, vem conquistando adeptos.
“Muita gente me procurou, demonstrando interesse nesse tipo de projeto. Acho que é algo muito importante, porque se não fizermos nada teremos problemas no futuro”, afirma. O magnata, de 43 anos, calcula em US$ 50 bilhões o montante necessário para lotear o resto da Amazônia, e faz lobby junto a seguradoras para que o acompanhem, como disse ao diário britânico The Sunday Times. “Um furacão como o Katrina (que devastou o centro-sul dos EUA no ano passado) custaria às seguradoras uma quantia semelhante em indenizações”, explica. Além de fazer campanha para que conservacionistas recebam créditos pela preservação de árvores, Eliasch tem convidado cientistas estrangeiros para pesquisar a fauna e a flora local.
Limites
Para o diretor do Programa Nacional de Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Tasso Azevedo, a pretensão de Eliasch esbarra na Constituição. “É impossível comprar toda a Amazônia, pois só 25% são títulos privados. O resto está agora sob tutela da nova lei de gestão de florestas públicas”, sancionada no início do mês. Azevedo disse ao Correio que o magnata sueco não é o único estrangeiro a comprar gato por lebre. “Um grupo chinês comprou 700 mil hectares e depois descobriu que eram 300 mil. Só que metade dessa área era reserva indígena e boa parte dos títulos não era legal”, conta. Para ele, não há sentido em transformar “uma área florestal bem manejada em zona de proteção”.
Além disso, o Protocolo de Kyoto “não prevê um mecanismo de comércio de carbono com florestas naturais”, apenas para área de replantio. “Ele pode conseguir que lhe paguem para manter a floresta em pé, mas estará congelando uma área que poderia gerar benefícios para a comunidade local. Vender a intocabilidade não é a solução”, adverte.
Carlos Rittl, coordenador da campanha de clima do Greenpeace, apóia iniciativas individuais na conservação de florestas — onde há um déficit de recursos de US$ 25 bilhões por ano —, mas alerta para a segurança. “A compra não garante a preservação. Quem vai fiscalizar uma floresta de 160 mil hectares?”, questiona.
Democracia
A Gethal, uma das poucas madeireiras no Amazonas a ostentar o selo do FSC (Conselho de Manejo Florestal), sofreu com o arrocho aplicado pelo Ibama a partir de 2002, quando apenas empresas com títulos regulares passaram a ter seus planos de manejo aprovados. No final de 2005, anunciou a demissão de 400 funcionários e fechou as portas. Suas terras são alvo de três processos em análise no departamento jurídico do Incra/AM, sendo um deles de reconhecimento de título e outro de regularização fundiária.
O município de Manicoré, no sul do estado do Amazonas, onde Eliasch pagou pelo terreno, é considerado “sensível” pelo Incra. “Existem centenas de títulos expedidos de maneira ilegal e outros com área alterada indevidamente. Muita gente negocia de má-fé”, diz um funcionário do Incra que pediu anonimato. Ele ressalta que grileiros e fazendeiros tentam expulsar as comunidades locais para vender as terras, e lembra o assassinato do líder comunitário Gideão Rodrigues da Silva, no último dia 26 de fevereiro, no acampamento Nova Esperança, em Lábria — região vizinha a Manicoré. “Na propriedade da Gethal vive a comunidade Democracia, que ganha dinheiro com a extração da castanha-do-Pará. O sueco vai expulsá-los de lá?”.
Magnata diz que não é colonizador
Johan Eliasch se considera um homem de sorte por ser dono de uma parte considerável da Amazônia, mas não quer ser comparado aos “colonizadores verdes” — milionários que exploram grandes florestas em países subdesenvolvidos. “Sou exatamente o oposto. Não estou aqui para explorar a floresta, mas para preservá-la”, explicou ao Correio por telefone. De passagem por São Paulo, onde tem uma distribuidora de filmes, ele contou ter recebido telefonemas de outros milionários interessados em “conquistar” o paraíso amazônico.
Como proprietário de uma floresta de 160 mil hectares na Amazônia, quais são seus planos?
A idéia é preservar a floresta, não cortar nenhuma árvore. Não concordo com a classificação de “colonialista verde”, como o jornal Sunday Times publicou. Estou fazendo o contrário do colonialismo. Comprei essa área para preservar, não para explorar a floresta e as pessoas. Sou o oposto do colonizador e minha filosofia é simples: se não fizermos algo agora, teremos de pagar um alto preço depois. A questão climática é um problema urgente.
Quanto o senhor pagou pela área?
Comprei a propriedade de um investidor particular que a tinha adquirido de uma madereira, mas parece que deixou de cumprir os acordos que deveria… Não gostaria de falar do preço. Mas posso dizer que depois da notícia do Sunday Times muita gente me procurou, demonstrando interesse nesse tipo de projeto.
Para os brasileiros, a Amazônia é uma riqueza nacional sem preço, e a titularidade dessas terras está sendo questionada na Justiça…
Antes de concretizar o negócio tive garantias. Falei com o governo do Amazonas, com seu secretário do Meio Ambiente (Virgílio Viana) e o ex-senador (Gilberto Miranda) Batista. Sobre a proteção do meio ambiente, está claro que nada foi feito até agora. A preservação de florestas maduras, como a Amazônia, é essencial para impedir o aquecimento global. Florestas maduras retêm mais o gás carbônico e são potenciais geradoras de créditos de carbono, como prevê o Protocolo de Kyoto. Não cabe a mim dizer o que o governo do Brasil deve fazer, mas ele poderia usar esses créditos para abater sua dívida externa.
O senhor espera ter lucro com a venda desses créditos?
Sim. E espero poder comprar novas áreas da floresta. Pelos meus cálculos, seriam necessários US$ 50 bilhões para a totalidade da Amazônia. Além disso, conversei com um executivo de uma das maiores seguradoras do mundo e ele me contou que o setor perde cerca de US$ 150 bilhões por ano com os furacões. Há uma relação direta entre corte de árvores e aquecimento global. Se seguradoras comprassem pedaços da Amazônia, o retorno seria rápido pelo impacto que isso teria na incidência de furacões, como o Katrina.
Por Claudio Dantas Sequeira
março 30, 2006
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