São Paulo, 29/03/2006 da Amazônia.org.br
ONG vê consagração de mandamentos da Constituição Federal; Ibama aponta gastos públicos desnecessários
A liminar concedida ontem para o pedido de uma Ação Civil Pública no Pará contra o processo de licenciamento ambiental da Usina de Belo Monte foi comemorada no meio ambientalista. "É uma vitória jurídica, no sentido de que corrige um erro constitucional do Decreto Legislativo que previa o início do licenciamento ambiental de Belo Monte", afirma Carlos Rittl, coordenador da campanha de clima do Greenpeace no Brasil.
De fato, Antonio Carlos Almeida Campelo, o juiz que concedeu a liminar em Altamira, entendeu que o Decreto passava por cima do artigo 231, § 6.º, da Constituição Federal, na medida em que não respeitou a previsão de consulta aos povos indígenas ao se tratar de um projeto a ser realizado em terras tradicionais.
Visto por alguns conservadores como mera norma programática, esse preceito na Constituição estaria sendo cumprido pela previsão de "estudos antropológicos" na análise do impacto ambiental, segundo o Decreto. "De estudo antropológico para consulta à população, há uma distância muito grande", afirma Rittl.
Para ele, essa grande diferença, da análise técnica para a consulta real, levaria a conclusões muito distintas quanto à vontade do povo local sobre a construção da Usina. "A consulta aos povos indígenas certamente levaria à desistência do projeto; eles não querem a construção, serão prejudicados com os impactos ambientais e não serão beneficiados com a energia gerada, que só deve favorecer as mineradoras na região", alega.
No Ibama, perplexidade
No Ibama, a notícia repercutiu de maneira diferente. "Ficamos perplexos", diz Luiz Felippe Kunz, Diretor de Licenciamento e Qualidade Ambiental do Instituto. Kunz afirma que ficou assustado ao saber que a Justiça suspendia as audiências públicas previstas para antes mesmo da consolidação do Termo de Referência que está em fase de preparação - uma consulta que nem é obrigatória, ressalta. "Se alguém tinha que ser citado como réu nesse processo, era o Congresso Nacional, não o Ibama, que apenas segue os procedimentos de licenciamento ambiental", defende.
O raciocínio de Kunz segue a linha de que não faz sentido suspender as consultas públicas previstas pelo Ibama se o propósito da liminar é justamente garantir a consulta às populações locais. Para Rittl, do Greenpeace, o pensamento alcança uma fase preliminar: se consultadas antes do Decreto que previa a autorização para o início dos levantamentos para a construção da Usina, nem mesmo o tal Decreto teria sido aprovado.
"Sabe-se desde os anos 80 que as populações indígenas são contra a usina. Em 89, a pressão era tanta que houve até o episódio da índia que colocou um facão na cabeça de um presidente da Eletronorte, dizendo que não queria a obra", lembra o coordenador. Ele explica que o que a população e os movimentos locais querem é o Xingu livre de qualquer barragem, mesmo que de impactos reduzidos ou com o "devido licenciamento". Isso porque são inevitáveis as conseqüências em pequena e larga escala da construção de uma barragem de dimensões comparáveis às de Tucuruí.
Estudos ambientais apontam que não só ocorreria o alagamento da cidade inteira de São Félix do Xingu, por exemplo, mas também que a pressão social decorrente do deslocamento da atividade pesqueira do rio Xingu poderia ocasionar novas relações conflituosas nas imediações do rio Tapajós ou do rio Amazonas. "Muito do agravamento da pressão social na Terra do Meio veio do deslocamento de barcos pesqueiros antes no rio Tocantins", exemplifica Rittl.
Decisão provisória?
Para Kunz, no entanto, a liminar, que foi uma "interferência indevida no processo legal", deve ser derrubada em breve por recurso. Ele aponta que o cancelamento das audiências públicas já marcadas e em fase de organização representa um desperdício de dinheiro público neste momento, dado que em breve o licenciamento deve ser retomado: "à medida que houver a mudança da decisão, retomaremos o licenciamento e as atividades de consulta à população local, não só indígena, como não-indígena", prevê.
No Greenpeace a expectativa é menos jurídica e mais esperançosa: "se a gente acredita na Justiça, não vê como mera norma programática a consulta à população indígena. O preceito constitucional é claro e ele deve ser cumprido", diz Rittl. A conclusão natural, para ele, é de que, com a consulta, haverá a desistência do projeto de Belo Monte.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário