Por José Nêumanne
A importância dada à transposição do Rio São Francisco e o grau de violência a que chegou o debate político pré-eleitoral em torno do tema no Nordeste podem ser medidos pela retirada do convite feito pelo bloco carnavalesco Muriçocas do Miramar, de João Pessoa, à cantora Elba Ramalho. Os organizadores da mais concorrida associação de foliões da capital paraibana desistiram de ter seu desfile de abertura do carnaval puxado pela mais popular cantora do Estado por não se considerarem aptos a garantir a sua integridade física.
O radialista Rui Dantas tem usado seu programa diário, de grande audiência, para convocar a organização de um bloco para atirar ovos em Elba, por ter ela tornado pública sua posição contrária à obra execrada pelos Estados banhados pelo rio, mas vendida à população nordestina pelos políticos locais como a redenção da região, o fim da sede dos sertanejos.
A polêmica teve início em 26 de outubro, quando Elba, militante ecológica, fez emocionada defesa do São Francisco num show da ONG Onda Azul, liderada pelo baiano Gilberto Gil, ministro da Cultura. Em novembro, repercutindo intenso noticiário contra a cantora, nascida em Conceição do Piancó, no sertão, e criada em Campina Grande, o comunicador Marcos Marinho assumiu uma vaga na Câmara Municipal e propôs moção pedindo explicações da cantora, que é cidadã campinense. Alegou que ela estaria "cuspindo no caneco em que bebeu".
A polêmica caiu como uma luva no debate político-eleitoral da Paraíba. Notória amiga do governador Cássio Cunha Lima (PSDB), Elba passou a ser vítima preferencial do jornal e das emissoras de rádio e TV do Grupo Correio da Paraíba, de Roberto Cavalcanti, suplente do senador José Maranhão (PMDB), candidato de oposição, favorito nas pesquisas.
O jornal do grupo noticiou na primeira página que o Comitê Estadual de Defesa do Projeto de Transposição de Águas do Rio São Francisco protocolou terça-feira ofício ao gabinete do governador solicitando a "suspensão de qualquer pagamento para a senhora Elba Ramalho através dos organizadores das festividades carnavalescas da cidade de João Pessoa".
Avisada sobre o clima de animosidade, Elba cancelou a apresentação e anunciou que em junho não fará espetáculos no São João de Campina Grande, tradição nos últimos 13 anos: estará nos palcos rivais de Caruaru (PE). "Após 35 anos nos palcos da vida, é a primeira vez que vejo meu direito de cantar cerceado", reclamou Elba, puxando o coro de jornalistas e artistas revoltados contra a politização, o "fundamentalismo" e a violência no caso.
(www.ecodebate.com.br) Fonte - O Estado de São Paulo - 17/02/2006
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