Por Anil Netto
Penang, Malásia – As organizações da sociedade civil da Malásia se preocupam com o fato de empresas privadas em breve dominarem os serviços de água e saúde, apesar de o governo ter assegurado que estas áreas não serão privatizadas. As autoridades se dedicaram nos últimos meses a delinear uma reforma dos mecanismos de administração e financiamento desses setores, e as semanas que transcorrerem antes que tais idéias se convertam em projetos de lei serão cruciais. O ministro encarregado dos serviços de água, Lim Keng Yaik, disse em junho, depois de uma intensa campanha cívica, que o governo decidira descartar a privatização do setor. “Eliminamos a palavra privatização”, assegurou.
Ao mesmo tempo, funcionários do Ministério da Saúde asseguraram a ativistas que não haveria participação privada no mecanismo de financiamento da área em estudo do governo. Economistas calculam que os dois setores mobilizam milhares de milhões de dólares por ano, o que os torna apetitosos para empresas privadas. Segundo se informou, as autoridades pretendem arrecadar prêmios por seguros de saúde – sem contar os setores da população isentos do pagamento destes serviços – para financiar o funcionamento dos hospitais, tanto públicos quanto privados. Mas enquanto o governo evita a palavra, ativistas temem, em definitivo, os planos para implementar o equivalente à privatização desses setores.
“Todos sabemos que irão retirar água do controle federal, sem controle dos Estados, para depois privatizá-la”, disse Letchimi Devi, coordenador da Rede de Povos Oprimidos, que reúne 120 organizações da sociedade civil. “E quando eles dizem que haverá uma avaliação das tarifas a cada três anos, todos sabemos que provavelmente se trate de aumentos”, acrescentou. Os ativistas esperam que dois projetos de lei em discussão (o da Lei da Indústria de Serviços de Água e o da Comissão de Serviços Nacionais de Água - SPAN) entrem em vigor este ano. “A intenção do projeto é criar uma estrutura homogênea e integral na privatização da água em todos os Estados”, avaliou o semanário econômico Edge.
A diferença é que os operadores privados já não serão supervisionados pelas autoridades estaduais: será o SPAN, um organismo do governo federal, que irá controlar os operadores após negociar os acordos de concessão existentes. Por conseqüência, uma nova companhia nacional de água comprará, depois de criada, toda a infra-estrutura existente. O Ministério das Finanças possuirá a totalidade da empresa, que financiará a aquisição e construção de infra-estrutura e depois a arrendará a operadores estatais ou privados. Os Estados de Johor, no sul e Selango, no sudoeste, além de Kuala Lumpur, a capital, já privatizaram seus serviços de tratamento e distribuição.
Outros quatro Estados (Malaca, Negri Sembilan, Pahang e Perak, todos na península malaia) disseram que seguirão adiante com a alienação em mãos de particulares, disse o economista Charles Santiago, coordenador da Coalizão Contra a Privatização da Água, integrada por 126 organizações da sociedade civil. Santiago também se preocupa pelos pedidos de reajuste de tarifas feitos por operadores privados, com o argumento de que conseguiram reduzir as perdas das antigas tubulações. Entretanto, o ativista advertiu que não houve uma verificação independente para saber se isso de fato ocorreu.
Por outro lado, o governo garantiu a ativistas que controlará de perto o organismo cuja criação propõe, a Autoridade Nacional de Financiamento da Saúde, que administrará o fundo nacional encarregado do setor. Este órgão “funcionará como uma organização sem fins lucrativos e não será privatizado”, disse o diretor-geral do Ministério da Saúde, Ismail Merican, à Coalizão Contra a Privatização do Serviço de Saúde. Mas a falta de transparência que cerca o projeto do mecanismo financeiro irrita os ativistas. “Não dissipou nossos medos”, disse Jeyakumar Devaraj, secretário da Coalizão, integrada por cerca de 80 organizações. Diante de uma consulta dos ativistas, o governo se negou por escrito a divulgar os termos de referência entregues aos consultores encarregados de criar o novo mecanismo de atendimento médico.
A Unidade de Planejamento Econômico advertiu que se tratava de informação “confidencial”. Se “vão ser tão opacos agora, podemos esperar um comportamento transparente no tocante à administração do fundo ou à subcontratação de serviços?”, perguntou Devaraj. “Cada declaração que fazem revela sua posição de neoliberalizar”, acrescentou. Devaraj se referiu a vários passos tomados desde dezembro de 2004 para que os pacientes paguem mais pelos serviços, com a privatização dos ambulatórios de hospitais públicos e o estabelecimento de taxas mais altas em hospitais públicos para estrangeiros, incluindo trabalhadores imigrantes.
O governo também anunciou a estratégia orçamentária federal de “turismo sanitário”. Mais recentemente, as autoridades concordaram que os médicos ofereçam tratamentos privados em hospitais públicos, o que lhes permitiria aumentar sua baixa renda, com a intenção de evitar a fuga de profissionais para centros privados. As autoridades “privatizam o aumento de salário dos médicos, em lugar de aumentar o orçamento da saúde”, queixou-se Devaraj.
Os ativistas estão preocupados pelo modo como serão gastas enormes quantidades de dinheiro a serem arrecadadas para a reforma dos serviços de água e saúde e quais dos “acionistas” – os corporativos e os públicos – se beneficiarão mais. Em uma reunião com funcionários do Ministério da Saúde, ativistas alegaram que o termo “acionistas” representa mal a situação, já que nem todos os acionistas são iguais. “As necessidades de um único acionista – povo – deveriam ser a principal determinante de qualquer esquema futuro de saúde”, afirmaram. (IPS/Envolverde)
Fonte: http://www.envolverde.com.br/
fevereiro 01, 2006
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