Por Washington Novaes
Nesta semana em que o Protocolo de Kyoto completou um ano de vigência, não faltaram informações científicas sobre a gravidade das mudanças climáticas já em curso. Sinais de alarma inquietantes também povoaram todos os dias as páginas dos jornais. Ainda há pouco noticiou-se que o século 20 foi o mais quente dos últimos 1.200 anos; que 2005 foi o ano mais quente em um século; e que os chamados "desastres naturais" deixaram 91,9 mil mortos no mundo no ano passado, atingiram 157 milhões de pessoas, causaram prejuízos de US$ 159 bilhões (as seguradoras tiveram de pagar cerca de US$ 70 bilhões). No Brasil houve 119 mortos, secas extemporâneas e prejuízos vultosos para a agricultura - que se repetem neste começo do ano, principalmente no Sul do País. Na cidade de São Paulo mesmo, janeiro registrou o maior volume de chuvas, quase 40% acima da média histórica do mês; numa única noite, em 10 horas, caíram 110 milímetros de chuva, quase metade da média tradicional do mês.
James Lovelock, conhecido como autor da Teoria Gaia, da Terra como um planeta vivo, agora acha que as mudanças sejam irreversíveis. Há quem discorde. Mas poucos duvidam da gravidade da situação. David King, por exemplo, principal consultor científico do governo britânico, afirma e reitera que estamos diante de uma "ameaça à nossa civilização". Mas aponta sinais de que na própria área econômico-financeira já há instituições e pessoas empenhadas em mudar o quadro.
"A velha economia morreu", diz David King no jornal The Guardian. E o primeiro-ministro Tony Blair assegura que só temos sete anos para tentar reverter o quadro e criar metas obrigatórias de redução de emissões para depois de 2012, como as do Protocolo de Kyoto (cuja primeira etapa expira naquele ano). Para ele, só haverá alguma chance se Estados Unidos, China e Índia aceitarem essas novas metas - o que ainda não ocorre.
Em compensação, há outros sinais alentadores. A Suécia, por exemplo, pretende eliminar em 15 anos o uso de petróleo e substituí-lo por energias renováveis - e sem recorrer à energia nuclear (que decidiu desativar já em 1980, por referendo popular). Uma comissão de cientistas, industriais, fabricantes de veículos, agricultores e outros apresentará ao Parlamento sueco, ainda este ano, a proposta de uma nova política energética.
Na área da economia, das finanças, dos negócios, há outras notícias interessantes. Quase duas mil instituições que participam do Carbon Disclosure Project ("Projeto de Informações sobre a Emissão de Gases de Efeito Estufa") e representam investimentos da ordem de US$ 30 trilhões estão enviando às empresas um questionamento: estão elas preparadas para as mudanças climáticas? Quais são suas emissões atuais de dióxido de carbono e outros gases que intensificam o efeito estufa? Que vão fazer para reduzi-las?
Uma das maiores empresas de petróleo do mundo anunciou que investirá US$ 8 bilhões em "energias limpas" (eólica, solar, hidreletricidade). Fabricantes europeus começam a reduzir as dimensões de seus veículos para baixar o consumo de combustível.
Mas é dos Estados Unidos, onde está o centro do problema (quase 25% das emissões), que vêm as notícias mais animadoras. A coalizão Moral Majority ("Maioria Moral"), que reúne 30 milhões de evangélicos de 50 denominações e é uma das principais bases de apoio do governo republicano, pediu ao Congresso e ao presidente Bush que combatam o aquecimento global, estabelecendo metas obrigatórias para emissões de dióxido de carbono. A coalizão inclui pessoas como David Neff, editor do Christianity Today, e Duane Litfin, presidente do Wheaton College, a mais importante universidade evangélica.
Seis ex-presidentes da Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) também pediram ao presidente Bush que sejam criados controles obrigatórios para reduzir as emissões de gases. Além disso, 79 empresas, responsáveis por 8% dessas emissões nos Estados Unidos, comprometeram-se publicamente com uma redução equivalente à dos gases emitidos anualmente por 5 milhões de veículos (a frota de São Paulo). Mais ainda, oito Estados norte-americanos decidiram adotar os padrões de emissões da Califórnia (em 2016 as emissões de veículos terão de ser 30% menores que as de hoje) e mais dois podem aderir. E dois influentes senadores republicanos da Comissão de Energia preparam projeto de lei para estabelecer metas obrigatórias de redução de emissões no país.
O próprio presidente Bush admitiu em discurso que os Estados Unidos estão "viciados em petróleo", mas ainda se recusa a adotar metas obrigatórias de redução. Só que a pressão cresce a cada dia.
A ONU martela nessa tecla. "O mundo continua perigosamente casado com o petróleo e outros combustíveis fósseis", advertiu há poucos dias o secretário-geral, Kofi Annan. E o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) divulgou estudos para mostrar as vantagens financeiras de combater as emissões de gases. O Clean Air Act dos Estados Unidos, por exemplo, evitará custos de saúde de US$ 690 bilhões em 20 anos, até 2010. O Plano de Descontaminação de Santiago poupará US$ 4 bilhões dos cofres chilenos em 15 anos. Também a Comissão Européia está mostrando que o investimento de 7 bilhões para reduzir a poluição no continente produzirá benefícios de 42 bilhões ao evitar mortes prematuras, internações hospitalares e perdas de horas de trabalho.
É uma corrida contra o tempo, em mais de um sentido. Com mais esperanças hoje do que ontem, porque as contas reais já começaram a ser feitas.
Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br
(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado em O Estado de São Paulo - 17/02/2006
fevereiro 20, 2006
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário