Por Carlos Alberto Jr.
"O que há na Amazônia é um processo de privatização à força"
Está na mesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva um dos temas mais polêmicos dos últimos anos. Trata-se do Projeto de Lei (PL) nº 4.776/05, que dispõe sobre a gestão de florestas públicas para produção sustentável, institui o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e cria o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal (FNDF). Discutido de maneira passional pela maioria dos interessados, o PL foi encaminhado pelo governo ao Congresso em fevereiro do ano passado. Depois de receber 30 emendas na Câmara, três no Senado e ser debatido em 12 audiências públicas, das quais seis em assembléias legislativas dos estados amazônicos, o projeto foi aprovado há duas semanas e aguarda sanção presidencial para entrar em vigor.
Uma das proezas do PL foi colocar, lado a lado, entidades com interesses tão diversos como a Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Estado do Pará (Aimex), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e as organizações não-governamentais (ONGs) ambientalistas Greenpeace e WWF. Apontado pelo governo como o principal instrumento para proteger e garantir a existência das florestas públicas e combater a grilagem de terras, o projeto enfrenta críticas de especialistas. Antes delas, uma visão geral dos 84 artigos.
Primeiro ponto martelado pelo governo: a floresta é e continuará pública. Entenda-se por floresta pública aquela natural ou plantada nos diversos biomas brasileiros, da Amazônia ao cerrado, da mata atlântica à caatinga. As áreas serão licitadas para manejo sustentável, ou seja, obtenção de benefícios econômicos, sociais e ambientais. Vence quem oferecer melhor preço pelo produto florestal, menor impacto ambiental, maior benefício socioeconômico local e maior agregação de valor local. A concessão não cria direitos sobre o patrimônio genético nas áreas, o uso de recursos hídricos, minerais ou a exploração da pesca. Os contratos terão duração entre cinco e 40 anos.
O Serviço Florestal Brasileiro vai desenvolver e gerir programas de treinamento, capacitação e assistência técnica para a implementação de atividades florestais. E o Fundo de Desenvolvimento Florestal, com recursos provenientes das licitações, é destinado a fomentar o desenvolvimento de atividades sustentáveis de base florestal e promover a inovação tecnológica do setor, será gerido por um conselho interministerial e representantes da sociedade.
Privatização O governo rebate as acusações de que o projeto, na prática, privatiza as florestas. Tínhamos três opções: privatizar de fato, entregando as terras à iniciativa privada; criar uma espécie de 'florestobrás', com administração direta pública; ou gerir a floresta pública em parceria com a sociedade. Escolhemos trabalhar com a sociedade, explica Tasso Rezende de Azevedo, diretor do Programa Nacional de Florestas do Ministério do Meio Ambiente. O que víamos na Amazônia era um processo de privatização à força, por meio da grilagem de terras. A decisão que o Estado brasileiro tomou é fundamental: as florestas públicas no país vão continuar bens públicos, não importa quem esteja explorando.
A aprovação da lei permitirá os primeiros processos de concessão na região da BR-163, no Pará. Os projetos serão desenvolvidos numa área de 10 milhões de hectares. Na primeira fase, a estimativa pessimista do Ministério do Meio Ambiente prevê um giro financeiro entre R$ 470 milhões e R$ 750 milhões na economia local por conta dos novos programas, com a criação de 66 mil a 180 mil empregos e produção de 4,7 milhões a 7,5 milhões de metros cúbicos de tora. Atualmente, a exploração florestal rende o equivalente a 1,5 milhão de metros cúbicos de maneira não sustentável, com danos ao meio ambiente e sem geração de empregos formais.
Os críticos do projeto reclamam que o governo passou o rolo compressor para aprová-lo antes do fim do mandato do presidente Lula. Um assunto dessa magnitude, que visa ao aluguel de florestas, não poderia ter sido encaminhado ao Congresso com pedido de urgência. Até porque os dados oficiais mostram redução no desmatamento. O objetivo era apenas faturar politicamente num ano eleitoral, afirma o senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), um dos opositore s ao PL. Segundo ele, antes de licitar outras florestas, o governo deveria esperar os resultados na área da BR-163.
O projeto também foi recebido com restrições na área acadêmica. Para Eleazar Volpato, doutor na área de política florestal e professor do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade de Brasília (UnB), o argumento de combate ao desmatamento não se sustenta. Não adianta apresentar soluções que não atinjam ou contemplem os verdadeiros causadores da devastação, como o café, a soja e a cana-de-açúcar, afirma Volpato. De fato, o projeto não toca na questão do agronegócio. Os números do governo mostram que não há relação direta entre serrarias e desmatamento. Segundo Tasso Azevedo, as 3 mil serrarias da Amazônia consomem apenas 25% de toda a madeira derrubada na região. As pessoas desmatam e queimam as árvores para transformar a área em pasto ou campo de plantio. Cerca de 40% da madeira que vai para São Paulo vira telhado. O estado é o maior consumidor de madeira tropical do mundo. Consome mais do que a Europa inteira.
Outro ponto polêmico do projeto é o que permite às concessionárias oferecer como garantia a empréstimos internacionais a própria produção. Os valores podem estar superavaliados. O risco de prejuízo é grande, adverte Volpato, da UnB. A minha preocupação é que se colocou isso como a única solução para combater a grilagem, o desmatamento e promover o manejo sustentável.
A nova legislação, por si só, não vai resolver os problemas da Amazônia nem impedir os desmatamentos. O Ibama continuará com falta de pessoal para fiscalizar, mas não se pode negar ao governo o mérito de tentar garantir um ordenamento mínimo para a exploração sustentável das florestas.
(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado no Correio Braziliense - 20/02/2006
fevereiro 21, 2006
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