A proverbial biodiversidade das florestas tropicais ainda é capaz de surpreender. Agora, por exemplo, um esforço censitário de 33 ecólogos em 12 países -nenhum do Brasil- comprovou, ao menos no caso de árvores, que quanto mais velha a floresta mais diversificada ela é. Com o passar do tempo, as espécies mais comuns se tornam mais raras, e as mais raras, mais comuns.
O resultado, publicado no fim do mês passado no periódico científico norte-americano "Science" traz uma sensação de frescor. Não há razão aparente para a expectativa de vida das árvores ser inversamente proporcional à freqüência dos indivíduos da espécie. A constatação faz supor que a própria natureza também tenha uma predileção desmedida pela variedade ecológica.
São as artes humanas, neste caso, que imitam a vida: "Este artigo traz lampejos sobre um mundo natural dinâmico em evolução e mostra que a diversidade não é só um ideal estético, mas também uma propriedade importante dos ecossistemas naturais", afirmou Christopher Wills, um de seus autores e coordenador do esforço de recenseamento, em comunicado da Universidade da Califórnia em San Diego.
O censo arbóreo, empreendido em sete áreas entre 16 ha e 52 ha (cada hectare tem 10 mil m2, mais ou menos um campo e meio de futebol), abrangeu a Ásia (Índia, Sri Lanka, Malásia e Tailândia) e a América Central (Panamá e Porto Rico). O esforço teve a coordenação do Instituto Smithsonian de Pesquisa Tropical, com sede no Panamá. Vários tipos de matas tropicais foram contemplados, mas não a floresta amazônica, porque não há nela uma área de estudo com dois censos detalhados como esses, com acompanhamento de árvores de diâmetro de tronco menor que 10 cm.
Em cada uma das áreas foram contadas todas as árvores com pelo menos 1 cm de diâmetro. Não uma, mas pelo menos duas vezes, com intervalos de 10 ou de 5 anos. Dezenas e dezenas de milhares de árvores identificadas, localizadas e medidas precisamente, uma por uma. Só assim para afirmar, com segurança estatística, que indivíduos das espécies mais raras quando jovens têm maiores chances de sobreviver e crescer, tornando-se mais freqüentes na classe das árvores mais velhas e maiores.
"A força deste estudo é que será muito difícil descartar suas constatações, devido à análise rigorosa, à grandeza das amostras e à similaridade de efeitos observados em vários locais diferenciados por todo o trópico", avalia William Laurance, um pesquisador da instituição no Panamá que já trabalhou no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, e não teve participação no estudo da "Science".
Esse efeito de redistribuição da expectativa de vida em relação à freqüência já era parcialmente conhecido, mas numa escala limitada. Havia sido detectado num estudo de 2000 na mesma ilha de Barro Colorado, no Panamá, em que fica o Instituto Smithsonian, mas só entre árvores menores. Desde então, discutem-se três hipóteses para explicar essa distribuição.
Uma primeira possibilidade é que as árvores mais raras sobrevivam com maior facilidade por não sofrer competição por recursos de suas próprias semelhantes (as de espécies diferentes tendem a ter exigências ligeiramente diversas de luz e nutrientes, por exemplo). Por outro lado, se a proximidade de árvores de outras espécies for estimulante, além de não oferecer concorrência, serão favorecidos aqueles indivíduos que menos parentes tiverem por perto. Por fim, parasitas especializados em espécies mais raras teriam mais dificuldade de topar com indivíduos dispersos e atacá-los.
Manejo à vista
Essa charada o artigo não resolveu, mas os autores acreditam que seus achados podem ter implicações para o manejo florestal. O mogno (Swietenia macrophylla), por exemplo, é uma árvore relativamente rara, mas a baixa freqüência de indivíduos juvenis da espécie talvez não seja uma ameaça tão grave assim à possibilidade de voltar a explorar uma área em 30 anos, como recomendam as boas práticas. A floresta teria seus próprios meios e razões para recompor a diversidade afetada pelos madeireiros em sua exploração seletiva. Com limitações, claro.
"No curto prazo, ecossistemas que perderam sua diversidade após dano temporário podem ser capazes de recuperar rapidamente seus níveis anteriores de diversidade", afirma o artigo, "desde que toda extinção que tiver ocorrido nos ecossistemas seja local, e a diversidade possa ser recomposta por imigração".
Amazônia
Niro Higuchi, do Inpa, encara o estudo como um convite para fazer algo similar na Amazônia. Para ele, seria desejável dar mais atenção para o impacto humano sobre o ambiente: "Em florestas primárias de mais de mil anos de idade (caso da amazônica), pequenas alterações no entorno, como estradas e exploração seletiva de madeira, podem alterar a oferta de água, luz e nutrientes em áreas isoladas", afirma. "Os sítios estudados estão cercados de áreas alteradas. Dos sete locais, apenas dois, da Malásia, têm semelhanças com a região de Manaus."
Para William Magnusson, outro especialista do Inpa, não se trata de seleção natural da diversidade mas de uma estratégia de certas espécies que, tendo vida curta, tendem a gerar prole mais numerosa. "É um efeito de amostragem que, como mostrado pelos autores, tende a sumir quando se aumenta a escala de amostragem. Isso deve ser considerado um efeito da matemática, não do ecossistema." Magnusson informa que a pesquisadora Carolina Castilho, do Inpa, usa metodologia superior à do Instituto Smithsonian e que "dentro de poucos anos o Brasil deve estar liderando esse tipo de pesquisa".
Com a palavra, agora, a maior floresta tropical do planeta.
Marcelo Leite é doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, autor dos livros paradidáticos "Amazônia, Terra com Futuro" e "Meio Ambiente e Sociedade" (Editora Ática) e responsável pelo blog Ciência em Dia (cienciaemdia.zip.net). E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
fevereiro 13, 2006
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