Por Mario Menezes - Diário do Pará
Nos últimos dias de janeiro, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) reuniu representantes do setor agropecuário dos sete estados da Região Norte e diretores da instituição, em Belém, num encontro não aberto ao público, para debater um projeto nacional para a Amazônia.
Dentre as preocupações da Confederação, a internacionalização da região foi tema que ocupou boa parte da programação do evento, definida pela vice-presidente da entidade, deputada Kátia Abreu, do PFL Tocantins, como sendo o risco que corremos de “a Amazônia vir a ser uma área do mundo inteiro, por ter uma grande biodiversidade e ser considerada o pulmão do mundo”, e de que “não podemos perder o foco de que a Amazônia é brasileira”. Nada mais apropriado como princípio balizador de discussão tão relevante.
Trazido ao público esse debate, a CNA prestaria um grande serviço à comunidade nacional, se nele considerasse os números do Ministério da Agricultura sobre a participação do agronegócio regional na balança comercial brasileira e na formação do superávit primário, a partir do qual se faz o pagamento do serviço da nossa dívida externa.
Nesses números, ganharia destaque a participação amazônica na evolução do agronegócio nas exportações do país e da produção nacional de soja e de carne bovina nos últimos anos, dois produtos expoentes do comércio brasileiro com o exterior. Saberíamos, por exemplo, que o rebanho bovino brasileiro cresceu 39%, desde 1990, passando de 147 milhões, para 204 milhões de cabeças, e que na Amazônia Legal esse crescimento foi de 194% (de 22 milhões para 65 milhões de animais), significando que 3 de cada 4 bovinos nascidos no período estão na região. Da participação da carne amazônica nas exportações do agronegócio descobriríamos que ela é pequena apenas na aparência, já que sem a produção amazônica abastecendo o mercado interno não teríamos como exportar, em 2005, pelo menos US$ 700 milhões dos US$ 2,4 bilhões conseguidos com a venda desse produto no mercado internacional.
Quanto à soja, com os dados disponibilizados por aquele Ministério, a CNA mostraria que, também desde 1990, a área ocupada pela agricultura no Brasil cresceu 23%, saindo de 37,8 milhões para 46,6 milhões de hectares, enquanto na Amazônia Legal esse incremento foi de 145% (4,4 milhões para 10,8 milhões de hectares). Ou seja, que estão na região 6,4 milhões dos 8,8 milhões de hectares incorporados pela agricultura, nos anos recentes. Como a soja é a cultura de frente dessa expansão, se deve a ela, principalmente, esse incremento – só a do Mato Grosso responde por 60% do aumento da área plantada na Amazônia Legal.
Mas a CNA poderia mostrar mais, numa análise minimamente aprofundada desses números. Dentre outras coisas, que, respondendo a soja e a carne bovina por 27% das exportações do agronegócio (US$ 11,87 bilhões de US$ 43 bilhões), em 2005, uma parcela bastante significativa desse montante – em torno de US$ 3,5 bilhões – constitui divisas geradas na Amazônia. Que, portanto, estamos ocupando uma parte da região em função de interesses internacionais muito objetivos, através do agronegócio. E essa não constituiria, ainda que indiretamente, uma forma de internacionalização? Ou, ainda: o avanço da expansão econômica desordenada sobre a floresta, que as altíssimas taxas de desmatamento dos últimos anos confirmam, não potencializa os riscos ligados a essa questão, por estar se dando sobre a maior reserva de água doce do planeta, numa região florestal estratégica para minorar os efeitos das mudanças climáticas globais, onde se encontra a mais rica diversidade biológica existente (vital para a bioindústria) etc. etc.?
De outra parte, uma conclusão inescapável dessa análise seria a de que estamos trocando biodiversidade e serviços ambientais pelo serviço da dívida externa brasileira, irracionalidade que as ONGs, tão criticadas no encontro de Belém, tentam minimizar toda vez que questionam ou propõem alternativas a esse modelo insustentável de produzir. E mais: essa equação está invertida. Sentido teria a conversão de boa parte da dívida – a correspondente às divisas produzidas aqui, por exemplo – no desenvolvimento de uma agropecuária sustentável, no uso manejado dos recursos florestais e na manutenção de áreas de proteção ambiental, na região, valorizando economicamente a floresta e seus atributos. Para tanto, os setores envolvidos deveriam cobrar do Governo brasileiro – e dos futuros candidatos à Presidência da República – o compromisso de estabelecer uma agenda permanente de negociação com os nossos credores internacionais.
Nessa conjugação de esforços, ninguém estaria vendendo a alma ao diabo. Ao contrário, um passo importante estaria sendo dado rumo à construção de um projeto efetivamente nacional e capaz de livrar a Amazônia dos riscos de internacionalização, repudiável em todas as suas formas.
Mário Menezes é agrônomo, economista e colaborador da entidade Amigos da Terra - Amazônia Brasileira.
Publicado na Coluna de Elias Pinto - E-mail: eliaspintopa@uol.com.br
Fonte: http://www.amazonia.org.br/opiniao/artigo_detail.cfm?id=198327
fevereiro 17, 2006
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