fevereiro 01, 2006

Jogo de interesses biodiversos

Agência FAPESP - Depois da histórica Rio-92, e da percepção de que o tempo engoliu muitos dos avanços daquele encontro, o Brasil volta a sediar uma reunião de destaque no cenário ambiental global. Desta vez, o foco está mais fechado, mas a importância do que será acordado em março, em Curitiba, é fundamental para os avanços das ações de preservação da biodiversidade planetária.

A Oitava Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-8) será realizada entre os dias 20 e 31 de março, na capital paranaense. Os 182 países que assinaram a CDB – os Estados Unidos participam como observadores por terem assinado, mas não ratificado o texto até hoje – enviarão representantes de peso ao Brasil. Dentro de centenas de eventos oficiais, os representantes dos vários ministérios de relações exteriores serão os protagonistas do evento.

Nas diversas sessões previstas pela organização da COP-8, alguns assuntos serão de fundamental importância para o Brasil e para os pesquisadores nacionais. Apesar de a palavra ser dada sempre aos diplomatas, existem várias formas de fazer um simples ponto de vista ganhar corpo e chegar ao plenário. É por isso que a articulação política entre diversos atores, como cientistas, membros de organizações não-governamentais e o próprio governo pode fazer a diferença entre o sucesso e o fracasso de um encontro como o da COP.

Qual é o direito dos detentores do conhecimento tradicional, como os índios da Amazônia, na distribuição de futuros royalties, quando pesquisas realizadas com eles resultarem em produtos comerciais? É possível fazer uma divisão justa? E a biopirataria? Uma planta retirada da Amazônia, levada para o exterior e transformada em produto deve gerar algum rendimento para o Brasil, país onde a espécie estava inicialmente? E a iniciativa taxonômica global, pensada para facilitar a identificação de espécie de interesse por qualquer um, em qualquer lugar, não está andando muito devagar?

Todas as perguntas acima, de forma direta ou não, serão feitas em Curitiba. O problema serão as respostas que cada um dos países pretende dar. Nesta sexta-feira (3/2) acaba em Granada, na Espanha, a última reunião preparatória para o encontro curitibano. O Brasil, segundo Eduardo Vélez, diretor do Departamento de Patrimônio Genético (DPG), do Ministério do Meio Ambiente (MMA), ensaia sua posição, que será exposta na Espanha e depois em Curitiba.

“Vamos defender o progresso das negociações para criação de um regime internacional de repartição dos benefícios decorrentes do uso da biodiversidade e que os conhecimentos das comunidades tradicionais também sejam tratados nesse âmbito”, disse o dirigente, em comunicado do MMA.

A posição do país anfitrião também prevê a defesa de um conjunto novo de regras para a questão do reconhecimento da propriedade intelectual dos índios amazônicos ou de qualquer outro povo tradicional. “Queremos novas medidas para esse conhecimento. Ele é coletivo e possui características que não são assimiladas no sistema atual”, diz Vélez.

Se os temas do uso sustentável da biodiversidade e da repartição justa dos benefícios oriundos dessa utilização terão destaque em Curitiba, o desafio global de proteger todos os ecossistemas do mundo também estará mais do que presente. As taxas de perda da biodiversidade estão bem acima do aceitável. Mais de 60% do planeta está alterado, segundo a Avaliação do Milênio, que reuniu 1.350 cientistas de 95 países.

Os objetivos da CDB, um dos frutos da Rio-92, estão bem claros no artigo 1 da própria convenção: “A conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável dos seus componentes e a participação justa e eqüitativa dos benefícios que derivam da utilização dos recursos genéticos, mediante, entre outras coisas, um acesso adequado a esses recursos e uma transferência apropriada das tecnologias pertinentes, levando em conta todos os direitos sobre esses recursos e essas tecnologias, assim como um financiamento apropriado”.

Como sugere a própria Organização das Nações Unidas (ONU), sem uma visão ecossistêmica do problema, ou seja, com a questão ambiental realmente no centro dos debates – e não a econômica ou política, por exemplo –, dificilmente os objetivos colocados no papel passarão para a prática.

Em termos nacionais, os pesquisadores também esperam que a realização da COP-8 no Brasil seja um bom motivo para que o anteprojeto de Lei de Acesso aos Recursos Genéticos, que está parado, possa se movimentar.

O site oficial da COP-8 está em: www.cdb.gov.br.

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