janeiro 31, 2007

O relatório Stern sobre Aquecimento Global

16 de Janeiro de 2007.
O Estado de SP, 16/1

"Se não atuarmos de imediato, o total dos custos e riscos das alterações climáticas será equivalente à perda anual de, no mínimo, 5% do PIB global por ano, todos os anos"

José Goldemberg foi reitor da Universidade de São Paulo (USP). Artigo publicado em "O Estado de SP":

Uma Verdade Inconveniente é o nome que o ex-vice presidente dos Estados Unidos Albert Gore deu ao filme em que apresenta os efeitos devastadores do aquecimento global sobre a humanidade, nas próximas décadas.

O filme mostra que a queima de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás) está aumentando a concentração de carbono (sob a forma de óxido de carbono) na atmosfera, o que resulta no aquecimento da superfície da Terra e dos oceanos, no derretimento das calotas polares, no aumento do nível do mar em vários metros e em mudanças dramáticas no clima.

Já não existem dúvidas científicas de que isso é o que vai ocorrer, mas é difícil prever com precisão quando e com que intensidade as conseqüências se farão sentir. É certo, porém, que elas ocorrerão neste século, sendo necessário começar a tomar medidas para controlar ou minimizar os problemas que surgirão.

Em parte, isso está ocorrendo desde 1992, quando foi adotada no Rio de Janeiro a Convenção do Clima, que exortou os países industrializados (os principais emissores dos gases responsáveis pelo aquecimento da Terra) a reduzirem suas emissões de tal forma que elas voltassem "individual ou conjuntamente" a seus níveis de 1990.

Isso não aconteceu e na maioria dos países continuou a aumentar. Por essa razão, foi adotado em 1997 o Protocolo de Kyoto, que determinou que esses países reduzissem suas emissões a um nível 5% inferior aos níveis de 1990, meta esta a ser atingida até 2012.

Os países em desenvolvimento (como o Brasil, a China e a Índia) foram isentos de tais obrigações. O Protocolo de Kyoto entrou em vigor apenas em 2005, e os Estados Unidos (o maior emissor mundial) se recusaram a aderir a ele.

Por essa razão, o governo inglês, alarmado com o lento progresso obtido desde 1992, acaba de publicar o Relatório Stern, preparado por uma grande equipe chefiada por Nicholas Stern, ex-economista-chefe do Banco Mundial.

O relatório, de quase 600 páginas, concluiu que, se não atuarmos de imediato, o total dos custos e riscos das alterações climáticas será equivalente à perda anual de, no mínimo, 5% do PIB global por ano, todos os anos.

Se levarmos em conta uma série de riscos e impactos maiores, as estimativas dos danos poderão aumentar para 20% ou mais do PIB por ano, o que provocaria uma recessão mundial sem precedentes.

Em compensação, os custos da redução das emissões dos gases responsáveis pelo efeito estufa necessários para evitar os piores impactos das alterações climáticas podem ser limitados anualmente a cerca de 1% do PIB global.

Estas conclusões resolvem um problema que vem desde 1992, quando a Convenção do Clima indicou duas estratégias para enfrentar o problema do aquecimento global:

A prevenção do problema, atuando nas suas causas (a principal das quais é a queima de combustíveis fósseis);

ou a adaptação às conseqüências do aquecimento e das mudanças climáticas, como construir diques para evitar que o aumento do nível do mar inunde áreas dos continentes.

Até recentemente se acreditava que a prevenção e a adaptação teriam custos parecidos, de cerca de 1% do PIB mundial por ano, o que levou a políticas perversas.

Os países mais ricos, como os Estados Unidos, provavelmente poderiam adaptar-se às mudanças climáticas, mas este não seria o caso de países mais pobres, como Bangladesh, em que um terço do seu território seria coberto pelas águas dos oceanos. Mais de 70 milhões de pessoas daquele país seriam deslocadas.

O Relatório Stern mostra claramente que a política a seguir é, prioritariamente, a prevenção, para o que oferece as seguintes opções:

Aumento da eficiência com que a energia é utilizada hoje;

aumento do uso de energias renováveis, como a hidrelétrica, a biomassa, a energia solar e a dos ventos;

redução do desmatamento de florestas nativas, principalmente no Brasil, na Indonésia e na África Ocidental.

Para implementá-las existem dois procedimentos:

Estabelecer um preço para cada tonelada de carbono emitida, o que encorajaria o aumento da eficiência energética e tornaria as energias renováveis mais competitivas em relação ao uso de combustíveis fósseis, que dominam hoje a matriz energética mundial.

As forças de mercado, segundo Stern, se encarregariam de reduzir as emissões de gases que provocam o efeito estufa. Os países da Europa, de modo geral, são favoráveis à adoção desta estratégia, mas para que tivesse sucesso seria fundamental que todos os países do mundo a adotassem, para evitar desequilíbrios nas transações comerciais internacionais.

A adoção de limites para as emissões, como foi feito no Protocolo de Kyoto, ou estabelecendo padrões de desempenho de automóveis, geladeiras e outros eletrodomésticos, como é feito na Califórnia.

A primeira estratégia tem a vantagem de prever o custo das medidas tomadas a partir do valor atribuído a cada tonelada de carbono emitida, mas não permite prever quando a redução vai ocorrer.

A segunda estratégia resolve este problema fixando prazos e metas para as reduções de gases que provocam o aquecimento global, mas não permite prever quais serão os seus custos.

Diferentes países provavelmente adotarão estratégias diversificadas e o que acontecerá nas próximas décadas vai depender criticamente do que os principais emissores mundiais (Estados Unidos, China, Rússia, Índia, Japão, Brasil e Inglaterra) farão.

O alerta foi dado e nenhum governo poderá ignorá-lo daqui para a frente: não são mais só os cientistas a tentar sensibilizar governos, mas agora também os economistas das maiores economias mundiais.
(O Estado de SP, 16/1)

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