abril 25, 2006

Economia: Administrando a voracidade chinesa

Por Felipe Seligman da Envolverde

Nações Unidas, 25/04/2006 – Se as relações econômicas da América Latina com a China não sofrerem uma mudança estrutural, a região não conseguirá atingir as Metas de Desenvolvimento do Milênio, afirmou a especialista argentina Graciela Chichilnisky no Latin Economic Fórum (Fórum Econômico Latino), realizado na semana passada, na sede da Organização das Nações Unidas, em Nova York. “As relações existentes hoje entre China e América Latina representam uma oportunidade histórica, já que a demanda chinesa por produtos básicos e combustível experimenta um enorme crescimento”, disse à IPS Chichilnisky, professora de Estatística e diretora do Centro de Manejo de Risco da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.

“Por outro lado, há uma situação histórica que exige que estes países deixem de se especializar na exportação de recursos naturais e entrem na economia do conhecimento”, acrescentou a especialista, que moderou um painel sobre as Metas de Desenvolvimento da ONU para o Milênio durante o Fórum. A China é o país cuja necessidade de produtos naturais mais cresce no mundo. Já é o maior consumidor de cobre, estanho, zinco, platina, aço e ferro. Em 2003, absorveu quase 40% do cimento produzido no mundo, 30% do carvão, outro tanto do aço e 25% do alumínio e do cobre.

A América Latina é a região que mais fornece estes recursos para o gigante asiático. O Chile é o maior produtor e exportador mundial de cobre, item que representa cerca de 40% de suas exportações. Boa parte do cobre chileno é embarcada para a China, que é hoje o segundo comprador. Outro exemplo está no petróleo da Venezuela, cujos principais clientes são Estados Unidos e China. O petróleo representa 85% das exportações venezuelanas e 15% de seu produto interno bruto e 50% dos gastos do governo, segundo dados do banco internacional HSBC. As tensões políticas entre Washington e Caracas levaram as autoridades venezuelanas a revisar suas políticas de exportação de petróleo.

A Venezuela quer aumentar as vendas de petróleo para a China e reduzir as vendas para o mercado norte-americano, disse no Fórum o ministro-conselheiro para Assuntos Econômicos e Comerciais da Embaixada da Venezuela nos Estados Unidos, José Sojo. Entretando, este caminho não levará ao desenvolvimento da região, segundo Chichilnisky. “Exportar produtos básicos é uma base ruim para o desenvolvimento. É um tipo de política não sustentável. Há duas regiões do mundo que não cresceram depois da Segunda Guerra Mundial: África e América Latina, as duas que se especializam em produtos básicos. Isso não é coincidência”, disse a professora à IPS.

Por esse motivo, “a América Latina está em um dilema esquizofrênico, uma situação limite: a melhor oportunidade de exportar matérias-primas é equivalente à sua pior situação”, a de estar acabando com suas riquezas naturais por causa das exportações, afirmou. “Estamos acabando com nosso meio ambiente e, ao fazê-lo, liberamos muito mais dióxido de carbono na atmosfera”, disse com relação aos gases que aquecem o clima. Na reunião, organizada por representantes de empresas e organizações da comunidade latino-americana nos Estados Unidos, diplomatas da região exigiram avaliações positivas sobre o cumprimento dos objetivos do milênio. Além do representante venezuelano, embaixadores da Argentina, Bolívia, República Dominicana e do Chile participaram do painel.

O embaixador chileno na ONU, Heraldo Muñoz, afirmou que três países da América Latina cumprirão as metas e que outros cinco têm possibilidades de cumpri-las, mas não citou o nome de nenhum. Essas oito Metas do Milênio foram estabelecidas em 2000 pela Assembléia Geral da ONU. Entre elas, figuram garantir a sustentabilidade ambiental e o acesso universal à educação primária, e reduzir à metade, com base em dados de 1990, a proporção de pobres, famintos e pessoas sem água potável até 2015. Somente o Chile alcançou o primeiro objetivo, de reduzir pela metade a proporção de pessoas em situação de pobreza extrema.

A América Latina e o Caribe são a região com maior brecha entre ricos e pobres do mundo. Em 2005, havia 213 milhões de pessoas na pobreza, equivalente a 40,6% da população total, segundo a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal). Muñoz disse que “a principal questão para o desenvolvimento são as políticas sociais para a eliminação da pobreza e para a inclusão das mulheres no mercado de trabalho”. O embaixador dominicano, Erasmo Lara-Pena, afirmou a necessidade de investimentos externos “para que possamos deixar de exportar frutas e passar a exportar sucos”. Contudo, a situação não é tão simples. “Não podemos atrair capital se, por outro lado, não temos tecnologia nem pessoal qualificado”, acrescentou.

Nesse contexto, Chichilnisky considerou muito difícil alcançar as Metas, e estimou que as avaliações positivas expostas no Fórum eram esperadas, devido à participação de representantes oficiais dos países. Porém, como modificar o tipo de intercâmbio com uma potência como a China? Segundo a professora, deve-se estabelecer novas formas de relação. “Uma solução é criar pequenas e médias empresas na região e, assim, gerar emprego e respeitar o meio ambiente. Desta forma, se pode construir uma relação de cadeia de produção com a China, de intercâmbio de produtos e de exportação-importação de tecnologias”, finalizou. (IPS/Envolverde)
(Envolverde/ IPS)

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