maio 18, 2007

Onde está de fato a nossa riqueza

Por Washington Novaes

“Recursos e serviços naturais tendem a valorizar-se a cada dia. Ainda mais que sua contribuição é e será decisiva para que não se agrave o problema mais dramático do nosso tempo, que está nas mudanças climáticas”

Washington Novaes é jornalista especializado em meio ambiente (wlrnovaes@uol.com.br). Artigo publicado em “O Estado de SP”:

Numa de suas últimas viagens ao Brasil, a escritora norte-americana Hazel Henderson - que, com seus conhecimentos econômicos e financeiros, tem desmontado tantos raciocínios que tentam sustentar o insustentável - disse que, “se você olha para o mundo real, e não para números loucos, vê que, numa análise per capita, o Brasil é um dos países mais ricos do mundo”.

De fato, como classificar de outra forma um território continental onde estão de 10% a 20% da biodiversidade do planeta, 12% do fluxo superficial de água, sol o ano inteiro, uma zona costeira com milhões de quilômetros quadrados?

Principalmente lembrando o estudo feito na Universidade da Califórnia por Robert Constanza e mais um grupo de economistas, para mostrar que, se fosse preciso substituir por ações humanas os recursos e serviços que a natureza presta gratuitamente (fertilidade do solo, regulação do clima, serviços hidrológicos, etc.), se chegaria a um custo de até três vezes o total do produto bruto mundial num ano. Isto é, esses recursos e serviços valeriam hoje até US$ 120 trilhões anuais.

Examinada a questão por outro ângulo, vê-se que recursos e serviços naturais são, cada vez mais, o fator escasso no mundo. Porque, de acordo com relatórios já citados aqui, estamos consumindo 25% além da capacidade de reposição da biosfera, com o déficit crescendo ano a ano.

E, sendo assim, esses recursos e serviços naturais tendem a valorizar-se a cada dia. Ainda mais que sua contribuição é e será decisiva para que não se agrave o problema mais dramático do nosso tempo, que está nas mudanças climáticas.

A conclusão óbvia seria a de que esses recursos e serviços deveriam ocupar um lugar central na estratégia política, econômica e social brasileira, com a definição dos caminhos mais apropriados para preservá-los e utilizá-los racionalmente, evitando perdas, desperdícios e incompetências.

Quem, entretanto, acompanhe o noticiário verá exatamente o contrário. Começará tomando conhecimento da irritação do presidente da República porque não obteve licença prévia um projeto altamente problemático - para dizer o mínimo - de implantação de mega-hidrelétricas na Amazônia.

Irritação seguida da ameaça de implantar em substituição uma usina nuclear, de energia caríssima, insegura e sem destinação para o dramaticamente perigoso lixo nuclear.

Verá também o Ibama sendo fatiado, supostamente porque seria culpado do não-licenciamento daquelas hidrelétricas - e não o incompetente e insuficiente estudo de impacto ambiental das usinas, feito pelos empreendedores.

Em seguida, verá - provavelmente com olhos esbugalhados - o presidente da Agência Nacional de Energia Elétrica propor que “projetos estratégicos considerados prioridade nacional” na área de energia (assim definidos pela Presidência da República) sejam eximidos de licenciamento ambiental e enviados por um Conselho de Defesa Nacional à Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, para ali serem autorizados.

“Trata-se de um retrocesso sem precedentes no trato da questão ambiental”, comentou uma representante do Ministério Público Federal, Sandra Cureau.

De fato. Em 2003 o Ibama concedeu 145 licenças ambientais, em 2006 foram 278. Mas se faz de conta que o problema está apenas ali, não nas inconveniências de projetos ou na omissão e incompetência de tantos estudos de impacto que lhe são submetidos.

Como quem não quer nada, e se fazendo de surda às vozes e a estudos competentes que mostram a desnecessidade de novas usinas, tantas são as possibilidades de economizar energia ou obtê-la por caminhos mais adequados, a Casa Civil da Presidência vai tramando também mudar a Resolução 237/97, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), para criar exceções convenientes às regras para licenciamento ali estabelecidas.

Para completar, por meio de projetos ou anteprojetos de um novo estatuto para o índio, regras para mineração em áreas indígenas ou áreas de preservação, extração de petróleo em áreas de conservação, vai-se tentando abrir à exploração descuidada ou predatória aqueles recursos e serviços naturais.

Só para que se tenha idéia do vulto do que está em jogo, o Mapa da Geodiversidade no Brasil, feito pelo Serviço Geológico nacional, lista 587 garimpos em áreas de proteção ambiental, dos quais 207 em áreas indígenas, 56 em parques nacionais, 292 em áreas de proteção permanente, 32 em outros tipos de reserva. E assinala 1.906 ocorrências minerais, 20% delas “intocadas”.

Não por acaso, na recente visita do papa, a Articulação dos Povos Indígenas fez chegar a ele carta em que mostra que “falta regularizar 61,76% das áreas indígenas no país, onde vivem 241 povos, com 734 mil pessoas que falam 180 línguas”. Uma riqueza e uma diversidade cultural sem paralelo no mundo.

E ainda considerada, em todos os relatórios do gênero, o caminho mais adequado para a conservação da biodiversidade no país, tais os resultados vistos na prática. Mas, em lugar de reconhecimento, esses povos continuam a assistir ao assassinato de seus líderes (257 em dez anos), ao suicídio em massa em grupos acuados.

Sempre que esse tema entra em discussão, não falta quem diga que “índio já tem terra demais” (até um ex-presidente da Funai entrou por esse caminho).

Esquecido de que qualquer pessoa no Brasil, após alguns poucos anos de ocupação de uma área de terra, tem o direito de reivindicar sua propriedade definitiva, por usucapião. Mas índios, que ocupavam todo o território nacional há séculos, não teriam esse direito.

Se não fosse pelo direito dos índios, deveríamos ter o cuidado de pelo menos lembrar que eles são os melhores guardiães de nossas maiores riquezas. E deixá-los em paz.
(O Estado de SP, 18/5)

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