São José dos Campos (SP), 17 de Abril de 2006
Para a agricultura, em quase todo o Brasil, haverá perdas em quase todas as culturas. O Programa Internacional da Geosfera-Biosfera (International Geosphere-Biosphere Program - IGBP), considerado um dos mais importantes no universo científico, tem pela primeira vez como presidente um pesquisador oriundo de um país em desenvolvimento. Trata-se do brasileiro Carlos Nobre, PhD em Meteorologia pelo MIT-Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA) e cientista de carreira do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Formado no Instituto de Tecnologia de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos (SP), foi fundador e diretor por 12 anos do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (Cptec) – um dos principais órgãos de pesquisa em meteorologia das Américas – ligado ao Inpe. Os resultados dos estudos de Nobre se notabilizaram, transformando-o numa referência mundial sobre as alterações climáticas na América do Sul, principalmente na Amazônia. O IGBP lidera a Parceria da Ciência do Sistema Terrestre (Earth System Science Partnership-ESSP), que envolve quatro grandes programas de estudos de mudanças ambientais na Terra.
Nesta entrevista exclusiva à Gazeta Mercantil, o cientista opina sobre várias questões ligadas às mudanças climáticas.
Atraso nas pesquisas
Como em todos os países ainda em desenvolvimento, estamos ainda na fase que a comunidade científica tem que acelerar suas pesquisas sobre os impactos das mudanças globais sobre a economia, a sociedade e os recursos naturais. Já há sinais positivos que isto venha a fazer parte da agenda de desenvolvimento do País, mais ainda é muito incipiente. O Brasil é o país mais atrasado nos estudos sobre esses impactos entre as nações em desenvolvimento.
Mudanças na Amazônia
Na Amazônia não se tem ainda um cenário muito definido. Há uma ligeira tendência a secar. É bom desmistificar, que mesmo ao longo do tempo a Amazônia nunca se tornará um deserto no sentido meteorológico, ou seja, com pouca chuva. Isto não existe em nenhum cenário pesquisado. O que pode acontecer com o uso errado da terra é o surgimento de uma degradação tão acentuada que a região fique com uma aparência neste sentido. Isso em geografia se chama ‘estado de desertificação’, referindo-se a um solo muito degradado. Mas não há nada que indique que se extinga a vegetação de grande porte por falta de chuva.
Sul e Sudeste
Esse é um enorme debate. É muito difícil responder. A maioria dos cenários mostra a diminuição das chuvas na Amazônia, mas apresenta um aumento de chuvas no Sul e no Sudeste. Não dá para ser conclusivo ainda.
Aquecimento global
Fui o primeiro cientista da área a dizer que esse fenômeno já está acontecendo e não é mais algo do futuro. Não estou falando das alterações locais, mas das globais. Eu também disse que as observações das mudanças climáticas globais seriam tão avassaladoras que teríamos um ‘paper’ nas revistas científicas por semana. Disse isto muito tempo atrás e é o que ocorre hoje.
O furacão brasileiro
Sobre o Catarina, posso e tenho de dizer que foi o maior erro do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos ( Cptec) dos últimos anos, inclusive em dimensão. E o pior não foi o erro da previsão, mas o fato de não se desculpar perante a sociedade brasileira. Aquilo foi um furacão, sim. Não há mais dúvida. Erraram porque nunca houve nada parecido e foi uma lição para o Cptec. Três centros de furacão do mundo, dos Estados Unidos, da Inglaterra e do Canadá, alertaram o Cptec, Brasília, o Instituto Nacional de Meteorologia ( Inmet) e a Marinha que se tratava de um furacão. Somente a Marinha acreditou e interditou a área costeira e, por isso, apenas duas pequenas embarcações sem sistema de comunicação afundaram e sete pessoas morreram.
Fenômenos raros
Em todos os relatórios desde o início da década de 90 apareciam a expressão ‘esperem surpresas’. Esse fenômeno de aquecimento global é muito lento, mas ele acontece todos os dias. A probabilidade de haver condições para um novo Catarina vai aumentar, principalmente com a subida das temperaturas do oceano. Porém nunca chegaremos, por exemplo, ao que ocorre no Caribe.
Fronteira agrícola
Os grãos, que são a grande fonte de alimentação da sociedade moderna, diminuem sua produção com temperaturas mais altas. A produção da soja brasileira por hectare é menor que a norte-americana, mas aqui plantamos o ano inteiro e lá não. Mas as pesquisas preliminares da Embrapa não mostram uma situação muito confortável para o Brasil. Os estudos mostram que há dois efeitos competindo e conflitantes. Um deles é o efeito negativo quanto à temperatura mais elevada. Por outro lado, a quantidade maior de gás carbônico na atmosfera pode ser positiva. Os pouquíssimos estudos no Brasil indicam que na soja o efeito do CO² compensa o aumento da temperatura, mas isto somente no Sul. Para o restante do território haverá uma queda de produção. Para a agricultura, em quase todo o Brasil, haverá perdas para quase todas as culturas.
Júlio Ottoboni
(www.ecodebate.com.br) Fonte - Gazeta Mercantil/Caderno A - 17/04/2006
abril 18, 2006
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