dezembro 18, 2007

Proteger os pobres é proteger o planeta

Por Vandana Shiva*

Nova Délhi, 17 de dezembro (Terramérica) - As reclamações internacionais por igualdade na hora de reduzir a contaminação relacionada com a mudança climática devem derivar da igualdade local e nacional. Os pobres da Indonésia não são responsáveis pelos gases causadores do efeito estufa emitidos pela indústria da palma usada para produzir óleo. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) divulgou, em novembro, seu informe Lutando contra a Mudança Climática: Solidariedade Humana em um Mundo Dividido.

O documento divulgado pouco antes da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, na Indonésia, prescreve redução de 50% das emissões de gases que provocam o efeito estufa, causadores do aquecimento global, em relação às de 1990, até 2050. Para isso, pede-se que os países desenvolvidos reduzam suas emissões em 80% até essa data, com reduções entre 20% e 30% antes de 2020. Para os principais países emissores do mundo em desenvolvimento – Brasil, China e Índia – o Pnud não recomenda cortes obrigatórios até 2020, mas reduções de 20% a partir desse ano até meados do século.

Montek Singh Ahluwalia, um fundamentalista do mercado que arroja a eqüidade ao vento quando forja suas políticas neoliberais e que é vice-presidente da Comissão de Planejamento da Índia, rechaçou o informe do Pnud em nome da igualdade. Toda estratégia de redução baseada apenas nas emissões globais de gases e que não distinga entre países com maiores e menores emissões por pessoa é errônea e vai contra os princípios da igualdade, disse.

Seria útil para os cidadãos indianos, especialmente os pobres, que quem encabeça a Comissão de Planejamento fizesse seu trabalho, precisamente, com base na igualdade, em lugar de fazê-la sobre o lucro empresarial.
Seria útil que apoiasse um acesso igual por pessoa a água potável, em lugar de apoiar as privatizações de água, que apoiasse um acesso igual ao sustento para os vendedores ambulantes e os pequenos comerciantes, em lugar de promover as vendas no varejo das corporações.

Seria útil que protegesse os pequenos agricultores, em lugar de estimular as grandes empresas agropecuárias, ou que defendesse o acesso eqüitativo aos alimentos, em lugar de permitir que dois terços das crianças da Índia sejam desnutridas por promover a especulação da indústria alimentícia.

Esta é uma igualdade esquizofrênica: os globalizadores corporativos destroem a igualdade para concentrar a riqueza e os recursos em mãos de uma minoria, enquanto querem que os pobres, aos quais despojaram de seus meios de vida e de suas terras, compartilhem a responsabilidade por uma contaminação que não provocaram. Seria equivocado, por exemplo, contar os gases causadores do efeito estufa provocados pela queima de florestas na parte da Ilha de Bornéu pertencente à Indonésia como uma contribuição às emissões de todos os cidadãos indonésios, incluindo os camponeses e indígenas expulsos de suas terras para transformá-las em plantações de palma dedicada à produção de óleo.

A solução não é distribuir a responsabilidde do total de emissões entre toda a população da Indonésia, mas conseguir que os responsáveis deixem de contaminar. O informe da organização Greenpeace Cozinhando o Clima identifica os contaminadores, estabelece a porcentagem que lhes cabe na contaminação e os passos a seguir para deter o processo que está levando à mudança climática.

A multinacional Cargill está por trás da produção de óleo de palma em todas as frentes. Procter & Gamble, Kraft e Nestlé, bem como Unilever, promovem o desmatamento por meio do uso do óleo de palma em seus produtos. Os principais fornecedores de matéria-prima são Sinar Mas, com 1,65 milhão de hectares de plantações de palma e uma exportação de 400 mil toneladas de óleo, e ADM-Kuok-Wilmar, com 493 mil hectares plantados e vendas ao exterior de um milhão de toneladas de óleo.

As pessoas comuns da Indonésia não são culpadas pela queima de florestas e que contribui com 11% das emissões de gases que provocam o efeito estufa do país, mas sim as grandes corporações. Quando a fonte da contaminação é conhecida, a igualdade exige que o responsável pague. A igualdade não se traduz em transferir a responsabilidade para quem não contamina. É preciso rever o conceito de igualdade e restaurar a integridade. Igualdade com integridade implica tanto honestidade quanto coerência.

Primeiro, a igualdade deverá prevalecer nas políticas e nas ações econômicas e não se converter em desculpa dos criadores da desigualdade econômica para evitar suas culpas sociais, econômicas e ecológicas. Em segundo lugar, a eqüidade em nível global deverá derivar da eqüidade local e nacional. Aqueles que despojam os pobres em seu próprio país e fraturam a sociedade não têm direito moral de invocar a igualdade em assuntos globais para continuar vivendo às custas dos pobres e do planeta. O que proteger os pobres protege o planeta. As leis da igualdade e as leis da ecologia são coerentes.


* A autora é escritora, ambientalista e defensora dos direitos da mulher. Direitos reservados IPS.

Crédito de imagem: Fabricio Vanden Broeck


Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.

(Envolverde/Terramérica)

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