[Entrevista com Everton Vargas, subsecretário de Política do Itamaraty: Diplomata afirma que é preciso ponderar histórico de emissões e diferentes usos de combustíveis fósseis em cada economia. Entrevista realizada por Cristina Amorim, publicada pelo O Estado de S.Paulo, 02/12/2007]
O Brasil pode implantar medidas mensuráveis de controle das emissões de gases-estufa num próximo regime de combate às mudanças climáticas, a partir de 2013 - mas não metas de corte das emissões, que predispõem cobranças internacionais, como acontece hoje com os países industrializados. A proposta será apresentada na 13ª Conferência do Clima (COP-13), que começa amanhã em Bali, na Indonésia, de acordo com o embaixador Everton Vargas, subsecretário de Política do Itamaraty. Ele será o negociador principal da delegação brasileira na reunião até que o corpo ministerial chegue, na segunda semana do encontro.
O Brasil pode aceitar metas de redução de suas emissões?
Em primeiro lugar, quem tem de tomar a liderança são os países desenvolvidos do Anexo 1. É uma questão de responsabilidade histórica. Eles já começaram a emitir no século 19. Outros países, como Brasil, Índia e México, só passaram a se industrializar na década de 1950. Também é preciso levar em conta uma noção de eqüidade: o que é mais nocivo para a humanidade? O emprego de derivados de combustíveis fósseis para levar eletricidade ou para alimentar um padrão de consumo extremamente alto? Os SUV (automóveis utilitários-esportivos, populares nos EUA), por exemplo, emitem 55% mais gases do efeito estufa do que os sedãs normais.
O que o País vai defender em Bali?
O Brasil vai para Bali com a proposta de que os países desenvolvidos façam mais. Não estamos na defensiva; temos, pelo contrário, uma posição proativa - aliás, como o Brasil sempre teve nesse assunto. O País já fez a proposta de criar incentivos para a redução derivada do combate ao desmatamento. Na reunião, não vamos negociar conteúdo, mas o processo que será levado até 2009 - quando então deve ser fechado um acordo sobre um regime pós-2012. Além disso, o texto da convenção de mudanças climáticas possibilita aos países em desenvolvimento que façam mais, como programas nacionais com medidas de mitigação. O Brasil já está trabalhando para estabelecer uma política do clima. Ela deve também ter capacidade de ser mensurável e verificável.
O programa nacional pode estabelecer uma meta interna de controle de emissões de gases-estufa?
Pode, se puder ser verificável e se o País tiver condição de cumpri-la.
É por isso que o Brasil é reticente em aceitar metas internacionais?
Sim. Nós, os países em desenvolvimento, enfrentamos um desafio duplo: precisamos aumentar a geração de energia, porém sem emitir tantos gases do efeito estufa. O Brasil está em posição privilegiada porque produz uma boa parcela de energia limpa. A questão aqui é o desmatamento, que representa 75% das emissões brasileiras - mas não é a principal fonte mundial de emissão. Para países como a China e a Índia - que dependem muito do carvão - terem medidas verificáveis, eles precisam da garantia de acesso a recursos financeiros para conseguir tecnologias que emitam menos. É preciso esforço internacional para que a indústria deles não perca competitividade.
O Brasil irá se manter alinhado ao G-77 neste assunto?
Somos um dos fundadores do grupo, então tudo em que se consiga uma posição consensual no G-77 vamos seguir. Se ela não houver, então o Brasil pode ser protagonista na busca de apoio de outros países, inclusive os do Anexo 1. A posição da União Européia, por exemplo, é a de que esses países (em desenvolvimento) não tenham metas. Mas espera que a gente se engaje de forma mais substantiva.
Como o País pode se engajar mais?
A responsabilidade comum, porém diferenciada, é o pilar para o futuro do regime do clima. Estamos dispostos a aumentar nossa contribuição para a mitigação de gases-estufa. Podemos trabalhar com políticas mensuráveis, que sejam reportadas ao secretariado da Convenção-Quadro (de Mudanças Climáticas). Agora, precisamos também de transferência de tecnologia e da abertura de mercados. É o que acontece no caso dos biocombustíveis: se EUA e União Européia estão tão interessados em fazer algo pelo clima, por que não tomam essa medida que irá onerar menos seus cofres do que lidar com as mudanças climáticas?
O que o País espera da conferência?
Precisamos montar um mapa do caminho. Primeiro, queremos salvaguardar o sistema jurídico. Segundo, que a decisão seja universal, sob a égide das Nações Unidas, pois não existe órgão mais legítimo do que esse. Terceiro, devemos trabalhar com as evidências científicas, os dados do IPCC. A proposta de 2°C, por exemplo, como patamar seguro não é consensual. Para as ilhas insulares, um aumento de 2°C na temperatura média ameaça que sejam submersas.
Quem é: Everton Vargas
Diplomata de carreira. Autor de vários artigos sobre meio ambiente e desenvolvimento sustentável. Foi diretor-geral do Departamento de Meio Ambiente e Temas Especiais do Ministério das Relações Exteriores e chefe da Divisão de Ciência e Tecnologia, entre outros cargos. Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB)
dezembro 03, 2007
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