Por Mariano Senna da Costa (*) para Ambiente Já
Tentar entender a mudança climática pelos grandes veículos é um convite à esquizofrenia. Desde que o Painel Intergovernamental da Mudança Climática (IPCC, sigla em inglês) divulgou em fevereiro seu segundo relatório confirmando a responsabilidade humana sobre o fenômeno, alternam-se na mídia versões e contra-versões a respeito das causas e efeitos do problema.
Um exemplo interessante foi o da edição de junho da revista alemã Cicero. "A mentira do clima - Um dossiê contra o Eco-pânico", dizia o título. Entre análises parciais sobre o interesse de ONGs no assunto e um glossário com as dúvidas que ainda persistem na discussão, a revista criticou a forma sensacionalista como a grande imprensa tem abordado a questão. Logo na primeira página do texto há uma reprodução da capa de dois jornais de Berlim, o Die Tageszeitung e o Berliner Zeitung. Ambos publicados no dia 03 de Fevereiro, noticiando a profecia da ONU para a catástrofe climática, mas exibindo em suas capas cenários opostos. Um trazia uma montagem do portão de Brandenburgo, símbolo turístico da capital alemã, inundado. O outro ilustrava o mesmo lugar transformado em um deserto. Independente das diferentes interpretações, o fato é que mesmo prevendo catástrofes, a grande mídia ainda se nega a debater o ponto nevrálgico para enfrentar a mudança climática: o consumo. Seja na Europa, nos EUA ou na América Latina e salvo raríssimas exceções, nenhum veículo toca no assunto. E ele não é nenhuma novidade. "Como pode a economia crescer infinitamente num planeta finito? De onde virão os recursos? Temos que mudar a forma de contabilizar o uso dos nossos recursos", defendia o ecologista José Lutzenberger jà na década de 90.
Clima de consumo
Ultimamente o alerta vem sendo reforçado por experts do aquecimento global. "Nós vamos ter problemas tanto com a quantidade de consumo quanto com o padrão das coisas que compramos", declarou o pesquisador do INPE, Carlos Nobre, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo no dia 8 de março deste ano. Como uma das maiores autoridades brasileiras sobre a mudança climática, Nobre faz coro com outros nomes conhecidos internacionalmente. Em seu último livro "The Revenge of Gaia" (A Vingança de Gaia), James Lovelock diz que o maior desafio mundial na luta contra a mudança climática é o que ele chamou de "inércia social". "Pense em como será difícil para nações como China, Índia e Estados Unidos mudar o comportamento de suas populações", traz o texto publicado em fevereiro de 2006.
Uma das tentativas de abordar o tema de forma mais profunda e abrangente foi feita pelos norte-americanos Michael Maniates, Thomas Princen e Ken Conca no livro "Confronting Consumption" (Confrontando o Consumo). Publicado em 2002 o livro descreve cases, faz análises e reflexões sobre conceitos tipo "imersão social do consumo", "soberania do consumidor" e "políticas do consumo". "O desafio não é apenas confrontar o consumo, mas transformar as estruturas que o sustentam", diz a conclusão do livro.
A publicidade é uma dessas estruturas. "Realmente é uma questão ainda sem respostas. Como mudar a mentalidade das pessoas, como fazê-las refletir sobre a abundância de que dispõe, se o sistema de comunicação que as condiciona e educa diariamente depende primordialmente da publicidade, das vendas e do consumo? Eu realmente não sei", declara Michael Maniates,
professor de ciência política e ciência ambiental no Allegheny College na Pennsylvania.
Iniciativa x Inércia
Entre as iniciativas que tentam enfrentar o desafio está a revista "Adbusters". Com sede no Canadá e 90 mil "apoiadores" em todo o mundo, ela visa combater o que chama de "poluição física e mental" das grandes corporações. Na capa de Agosto do site há um artigo sobre a iniciativa da Prefeitura de São Paulo de regular a publicidade ao ar livre.
A idéia vem sendo seguida por outras capitais brasileiras, como Porto Alegre, mas em ambos os casos os argumentos para a implementação de leis que regulem a publicidade não tem a ver com a "racionalização do consumo", mas com o que se pode chamar de "bem-estar urbano".
De maneira geral mídia e governos falam confortavelmente sobre uma solução tecnológica ou política para o controle das emissões de gases estufa. Porém, parecem não querer ver que quando o foco é o indivíduo as contradições continuam cada vez maiores. "Conheço uma mulher absolutamente convencida de que algo precisa ser feito. Mas ela nem cogita deixar de ter a água da sua piscina na temperatura de uma taça de chá bem quente durante
todo o inverno, não importa o que isto custe", exemplifica a jornalista britânica Deborah Orr em artigo no 'The Independent'.
Uma das poucas vozes a atacar sistematicamente a incoerência de políticos e grandes empresas de comunicação, ela usa a autocrítica como forma de abordar temas escamoteados do noticiário. "Em alguns momentos, a habilidade para convencer a nós mesmos de que desastres são coisas que acontecem com outras pessoas é realmente muito poderosa", comenta ela em outro artigo.
Sentado confortavelmente em seu jardim no subúrbio de Berlim, o médico aposentado Claus Kuhlmann, sabe que o consumo é um ponto importante no debate para "salvar o mundo". Mas ele também sabe quão difícil é imaginar uma mudança de hábitos. "Dói só de pensar em reduzir aquilo que normalmente compro, mesmo que seja algo supérfluo", admite. Aos 64 anos, Claus acredita que só depois que "algo muito grave acontecer" é que as pessoas talvez acordem. "Dificíl imaginar um mundo sem crescimento econômico, sem capitalismo. É como pensar numa volta à idade média", comenta ele, concordando com o slogam da cúpula do G8 deste ano: "Nenhuma política do clima sem a economia".
Otimismo e Ceticismo
Para Wolfgang Pomrehn, geofísico e meteorologista que atua como jornalista especializado em assuntos do clima e energia desde meados da década de 90, a redução do consumo não é nem desejável, nem factível. "Eu sou cético quanto a isso. Primeiro há uma questão moral aí, pois mesmo na Alemanha, há pessoas que já consomem o mínimo, que dirá em outros países do mundo".
Outro aspecto, segundo ele, diz respeito a questões como a estrutura e a tecnologia de geração, sobre as quais o cidadão comum tem pouca ou nenhuma influência. "Para os proprietários de apartamentos e casas alugadas, por exemplo, pouco interessa se os inquilinos precisam gastar mais ou menos energia com aquecimento por conta das condições do isolamento térmico dos
imóveis". Wolfgang defende assim, uma série de medidas políticas de difícil implementação. Entre elas está uma valorização do transporte coletivo, em detrimento da "cultura do automóvel". Isso sem afetar o bem estar social.
"Algumas medidas já estão sendo postas em prática, mas ainda são muito poucas e vem aparecendo muito devagar", avalia ele que em setembro estará lançando um livro sobre o tema. Apesar da inércia do debate, o otimismo continua sendo a base do discurso oficial. "Uma das coisas maravilhosas do capitalismo é que a economia consegue aperfeiçoar aquilo que o público deseja comprar", acredita o secretário de meio ambiente da Embaixada brasileira em Berlim, Flávio Mello. E essa visão também é válida para a "sustentabilidade da mídia". "Eu acho que é possível que os órgãos publicitários e a iniciativa privada de modo geral se antecipem a essa necessidade de mudança. Acho que o 'consumo destrutivo' tende a diminuir progressivamente porque ele é autodestrutivo e as pessoas têm instinto de preservação", pondera o secretário que é um dos interlocutores da política brasileira para biocombustíveis na Alemanha.
Aliás, uma das grandes promessas para combater os problemas provocados pela queima de combustíveis fósseis é a sua substituição por produtos de origem vegetal. Pelo menos para o Brasil. "Para discutir a questão climática com seriedade, tem que olhar a questão dos biocombustíveis. E olhar com muito carinho", avisou o presidente Lula durante o encontro do G8 na Alemanha. O objetivo, segundo o presidente, seria convencer o mundo de que os biocombustíveis são a solução para a substituição dos combustíveis fósseis, para a despoluição do planeta e para a geração de renda. "Os países ricos precisam aceitar que os países em desenvolvimento têm o direito de crescer como eles cresceram, para conquistar a mesma qualidade de vida que eles conquistaram", arrematou Lula.
Na contramão desse discurso estão entidades malditas para o establishment. "Não creio que os países em desenvolvimento precisam ser ajudados pelos países desenvolvidos. Devemos lutar todos juntos por uma mudança de paradigma", acredita a agricultora francesa, Isabelle Rouet, de 27 anos.
Integrante da Via Campesina, ela defende que antes de falar em substituição de combustíveis é fundamental reduzir o seu consumo. "As pessoas na Europa devem entender que elas usam muito mais recursos do que dispõe. Esse excedente vem de fora, através de uma relação comercial bastante desequilibrada". Para Isabelle a simples mudança de produtos, ou insumos não tornará as relações entre ricos e pobres mais justa. "É uma questão de cultura e filosofia". Mas movimentos como a Via Campesina, que só na França tem cerca de 10 mil membros, estão fora do governo e da grande mídia.
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(*) Mariano Senna da Costa é da Ambiente JÁ.
agosto 20, 2007
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