abril 08, 2008

Estudo revela complexidade do trabalho na agricultura orgânica

Via Ecodebate: Agricultura orgânica vem crescendo e ganhando mercado no Brasil e já é praticada em mais de 120 países. Aqui, chegam a 15 mil os produtores, com 90% das unidades de produção do tipo familiar e 10% do tipo empresarial. Prosperam no mesmo ritmo os estudos sobre a agricultura orgânica focando seus aspectos ecológicos, econômicos e sociais, elegendo-a como alternativa para o desenvolvimento sustentável. Entretanto, ainda são escassas as informações referentes, propriamente, ao trabalho deste agricultor. Por Luiz Sugimoto, do Jornal da UNICAMP.

Gestores sugerem pesquisas à academia

Sandra Francisca Bezerra Gemma, enfermeira do trabalho especializada em ergonomia, está entre os primeiros pesquisadores a olhar a agricultura orgânica pelo viés de quem a pratica. Complexidade e agricultura: organização e análise ergonômica do trabalho na agricultura orgânica é o título da tese de doutorado que ela apresentou na Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp, com a orientação do professor Mauro José Andrade Tereso e co-orientação do professor Roberto Funes Abrahão.

Em sua pesquisa de mestrado, a autora já havia destacado a predominância das tarefas manuais neste segmento agrícola, devido principalmente à eliminação do uso de agrotóxicos. Agora, no doutorado, ela acompanhou a intensa atividade dos gestores de unidades de produção em municípios da região de Campinas. “Tendo atuado por vários anos na indústria e no setor de serviços, conhecer a agricultura a partir da ótica dos agricultores foi um desafio extremamente interessante”.

A tese discorre sobre a complexidade do trabalho na agricultura orgânica, por incorporar preceitos ecológicos, econômicos e sociais de sustentabilidade. “Muitos autores afirmam que questões ecológicas e econômicas são conflitantes na maior parte das vezes. Mas é o gestor quem precisa traduzir esses preceitos em práticas agrícolas, zelando para que a unidade de produção seja viável economicamente, sustentável ecologicamente e, além de tudo, justa socialmente”.

Num levantamento em dez propriedades, Sandra Gemma registrou a média de 39 itens de produção, sendo que algumas superam os 80 itens. “Trata-se de um macro sistema a ser gerenciado, pois boa parte das unidades tem associada a produção animal (ovos, leite, mel) e processa produtos como geléias, compotas, polpas de frutas, queijos, manteiga, iogurte. Cerca de 40% delas ainda mantêm um segmento de serviços, com turismo rural, recepção a estudantes, cursos e eventos ligados a agricultura orgânica”.

A capacidade de cada trabalhador em cultivar dezenas de espécies, artesanalmente, impressionou a enfermeira desde o mestrado. Ela também ouviu as queixas, sobretudo em relação a tarefas manuais, movimentos repetitivos, posições incômodas, dores nas costas, exposição a intempéries. “São problemas comuns no trabalho agrícola, mas que podem se agravar ou se tornar mais freqüentes na agricultura orgânica”.

As ervas daninhas da horta, por exemplo, na agricultura convencional são eliminadas com herbicidas. Na agricultura orgânica, elas são arrancadas manualmente. “Outra atividade repetitiva e desgastante é o ensacamento de frutas no pé, como da goiaba, embrulhada uma a uma para protegê-la de doenças e pragas. Muitas vezes, esse trabalho é feito em cima de escada e em terreno inclinado, com os braços esticados acima da cabeça”.

Saber tácito – Na estrutura predominantemente familiar (quando há empregados, são poucos) destaca-se a figura do gestor, objeto central do estudo de Sandra Gemma. “Ele deve ter um olhar clínico sobre o agroecossistema (terra, clima, água, policultivos, animais) e suas interações. É um conhecimento chamado de saber tácito, desenvolvido no cotidiano do trabalho. Se na agricultura convencional existe um receituário pronto, na orgânica cada unidade deve ser vista e cuidada como um ser vivo”.

Ao gestor cabe tomar uma série de decisões relacionadas com os múltiplos cultivos, desde o preparo do solo e o plantio, passando pelos tratos culturais, a colheita, até o beneficiamento pós-colheita. “Ele se responsabiliza por tarefas de produção e ainda se incumbe de toda a parte administrativa, planejando e coordenando as diversas atividades, contratando pessoal e gerindo as finanças e o patrimônio familiar”.

Além de planejar e executar a produção, o gestor tem de vendê-la, o que é mais um elemento de complexidade em seu trabalho. “A maior parte dos gestores mantém vários clientes: o consumidor da feira, as redes de supermercados, os lojistas e aqueles que compram pela Internet, entre outros. Um dos entrevistados possui mais de cem clientes de naturezas diversas”.

A pesquisadora lembra que os produtos da agricultura orgânica devem ser certificados para comercialização, o que leva o gestor a cuidar do atendimento à prescrição das certificadoras, cujas normas equivalem, grosso modo, aos de programas ISO para empresas. “Além da certificação, ele deve lidar também com a legislação ambiental, pois outra tarefa importante é a de reflorestamento e recuperação da mata ciliar”.

Complexidade – Sandra Gemma limitou a primeira parte da pesquisa a duas unidades de produção, em Itu e Jarinu, simplesmente por que outros gestores não puderam recebê-la devido à carga de trabalho. Ainda assim, por dez meses, teve de recorrer mais à observação direta do que a entrevistas com os dois produtores, até reunir conhecimentos para elaborar um questionário destinado a outros proprietários, em Santo Antonio de Posse, Jaguariúna, Paulínia, Valinhos, Serra Negra e Indaiatuba.

“O trabalho do gestor é vital para a produção orgânica, já que tudo é arquitetado por ele. Mesmo que para o observador seja difícil saber tudo o que contém a ‘caixa preta’, procuramos ver o que ele faz, por que faz, como faz e, principalmente, quais são as estratégias que desenvolve para superar as dificuldades”, explica a pesquisadora.

Daí, a tese de doutorado estar fundamentada na Teoria da Complexidade, de Edgar Morin, segundo a qual a organização vai sendo construída constantemente, através da ordem, da desordem e da interação. A cada dia surgem novos desafios, que exigem capacidade de improvisação. “É exatamente o que vimos: o agricultor lidando com uma diversidade enorme de cultivos, em ambiente de pouca tecnologia e conhecimento”.

A grande demanda por pesquisas na agricultura orgânica, conforme ressalta a autora, é um desafio para a academia. “Os produtores pedem o desenvolvimento de variedades de plantas adaptadas para manejo orgânico, técnicas de controle de pragas e doenças (em plantas e animais), estudos que favoreçam a logística de comercialização e um herbicida orgânico para que não precisem arrancar ervas daninhas com as mãos”.

Sem estresse – A saúde física e mental demonstrada pelos produtores, apesar do trabalho excessivo e das dificuldades para sustentar a atividade, é um tema que mereceria outra tese, na opinião de Sandra Gemma. “Afora algumas queixas de dores, não encontrei ninguém incapacitado ou com problemas crônicos. Poderíamos tentar descobrir por que, havendo tanto risco, essas pessoas adoecem tão pouco”.

A multiplicidade de tarefas e a possibilidade de gerenciar o próprio tempo, pausando o trabalho quando há dor ou cansaço, são fatores que contribuem para evitar a sobrecarga. No entanto, a impressão da pesquisadora é de que a força maior vem do significado que eles atribuem ao próprio trabalho.

“Os produtores encaram os seus desafios como nobres, têm orgulho do que fazem. Sentem-se comprometidos com o meio ambiente e a saúde das pessoas. Acho que a ergonomia pode contribuir para aprimorar a produção orgânica, na tentativa de que ela também carregue em si as bases para um trabalho humano mais sustentável na agricultura”, finaliza.

Alguns dados no Brasil e no mundo

Os países com as maiores áreas cultivadas organicamente são a Austrália (11,8 milhões de hectares), Argentina (3,1 milhões), China (2,3 milhões) e EUA (1,6 milhão).

O Brasil vem na 6ª posição mundial, com 842 mil hectares (o triplo da área ocupada em 2001), e a 2ª posição na América Latina, atrás da Argentina.

Os países com maior número de produtores são México (83.174), Itália (44.733), Uganda (40.000), Sri Lanka (35.000) e Filipinas (34.990); o Brasil ocupa a 14ª posição (15.000).

O Brasil evoluiu de 50.000 hectares sob manejo orgânico com produção certificada em 2000, para 841.769 hectares em 2004, o que representa um crescimento de 1.583%.

As grandes unidades brasileiras (com mais de 100 hectares) se destacam na produção de frutas (manga e uva), além de cana-de-açúcar, café, soja e milho.

Atualmente, começa a despontar a pecuária orgânica em áreas extensivas. No país, o total de bovinos que estão em conversão para o manejo orgânico chega a 600.000 animais.

Pesquisa mundial aponta para cerca de 31 milhões de hectares cultivados organicamente, por 634 mil agricultores, sendo que a Oceania detém 39% da área agrícola, seguida pela Europa com 23% e América Latina com 19%

Um comentário:

Anônimo disse...

PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE PRODUTORES RURAIS

A Federação da Agricultura do Estado do Espírito Santo / FAES, através de seu Conselho de Meio Ambiente e Recursos Hídricos / COMARH, com o apoio do Núcleo de Estudos em Percepção Ambiental / NEPA, está iniciando uma pesquisa (inédita e em âmbito estadual) voltada ao estudo da percepção ambiental de produtores rurais do ES. Entre outros objetivos, o estudo visa gerar informações complementares à ação da FAES ligadas ao processo de conscientização contínua de seus filiados, além de servir de instrumento importante para gestores públicos e privados que tenham interesse / envolvimento / poder de decisão em temas ligados ao meio ambiente na área rural. O NEPA acaba de concluir uma pesquisa – na Região da Grande Vitória (ES) – que visou o estudo da percepção ambiental da sociedade frente à problemática das mudanças climáticas. O Núcleo tem interesse em levar o estudo com produtores rurais para outros Estados de modo a, progressivamente, ir estruturando o perfil nacional do segmento.
Roosevelt S. Fernandes, M. Sc. / NEPA
roosevelt@ebrent.com.br